quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

MARIA FUMAÇA

                              Quando menino,  adorava andar de trem, e  a estrada de ferro não chegou até Getulina, por causa da briga dos coronéis, que obrigaram  os trabalhadores  a desviarem o rumo dos dormentes e  trilhos, caso contrário , seguiriam outras trilhas...



                            Minhas  duas irmãs foram estudar , em Colégio  interno, dirigido por Freiras,  na cidade de Rio Claro.



                            E de quando em vez, íamos até lá visitá-las, para levar-lhes materiais, vestimentas e doces caseiros, e nessa ocasião,  meus pais me levavam junto com eles.



                            Era um místico de alegria e tristeza.

                              Alegria ao iniciarmos viagem. Pegávamos o trem em Lins, seus vagões  eram puxados por enorme locomotiva , que  era dirigida pelo maquinista e  alimentada pelo “foguista” com  toros de lenha, cujo vapor  a acionava, e os passageiros iam recebendo fagulhas que saiam da chaminé da então chamada “Maria Fumaça”, tocando-a para frente, indo queimar o povo lá atrás. .



                            Quando chegávamos na Estação Férrea de Bauru, o trem batendo sinos e apitando anunciava a sua chegada, depois  havia baldeação, ou seja,   adentrávamos outro  trem, o elétrico, cuja locomotiva e os demais vagões eram mais rápidos,  bonitos e modernos.



                            Algumas vezes íamos de Lins a Bauru de  ônibus, para evitar as fagulhas da “Maria Fumaça”, e em frente à então bonita Estação Ferroviária da “Cidade sem Limites”, havia o “terminal rodoviário”, onde os ônibus que chegavam  estacionavam  diante de alguns bares e restaurantes, e então íamos, com o meu pai, até as bilheterias comprar as  passagens para o trem, depois embarcávamos, no  que iria até São  Paulo, passando e parando antes em Rio Claro.



                            Nunca me esqueci, do tempo em que meu pai me levava até o vagão restaurante do trem,   sentia-me todo importante, sentado  a mesa , pedia um guaraná , e ali tomava, em um copo grande,  ou mesmo,  na própria garrafa, o saboroso refrigerante , com um canudinho...



                            O trem elétrico  andava bem mais rápido que o outro, e olhando pela janela, via as árvores e os postes correrem  também em sentido contrário ao nosso... uma vez até pensei em falar que, iríamos de trem, mas,  deveríamos voltar de poste...(Ah! coisa de criança...).





                            Íamos sempre de primeira classe,  em poltronas, com almofadas  bem confortáveis ,  mas, gostava de ir ver os vagões de segunda classe, e até sentar-me em uma de suas poltronas , feitas de palhinha...e de ripas, sem almofadas.



                            O fiscal do trem vinha  picotar  as passagens, e minha mãe  pedia ao meu pai para que  as entregasse a mim, a fim de mostrá-las ao então fiscal.



                            Passavam, durante o percurso, internamente, no trem,    os vendedores de revistas, doces e  bebidas, e quase sempre estava querendo eu alguma coisa...só o guaraná,  pedia ao meu pai que me levasse até o carro restaurante..,



                            De vez em quando passava um funcionário de quépe,  trajando uma farda marrom ou azul, anunciando a próxima estação ou cidade...  JAÚ...e ia passando adiante pelos  outros vagões, que do meu, ainda  escutava  o eco : JAÚ.. Jaú...jaú...





                            E olhando pela minha janela, ou seja, a janela do meu vagão,  via o trem apitar chegando na estação anunciada, onde parava por alguns minutos, a fim  que descessem alguns, e subissem outros passageiros,  e  estes, juntamente conosco,  depois, seguiam adiante...





                            Passadas as horas, novamente o mesmo funcionário voltava anunciando : DOIS  CÓRREGOS ....Dois Córregos.... dois  córregos...



                            Ficava em expectativa da chegada da nova estação... o trem parava, novas descidas e subidas de passageiros, entrega de um malote  para o chefe da estação ... um outro funcionário  passava batendo um   martelo nas rodas do trem ... ouvia-se o apito/buzina  da locomotiva, e o trem seguia em frente...



                            Muitos minutos depois, vinha lá o funcionário anunciante : BROTAS...Brotas....brotas....





                            Era a nova cidade e estação que iríamos chegar , parar e passar,  dentro de  mais alguns instantes...



                            Quase a mesma cena se repetia, o trem apitava, chegava, parava, havia a  troca de malotes, as marteladas nas rodas, rostos desconhecidos sorriam, olhavam, algumas pessoas embarcavam outras  acenavam, desciam e iam embora... o trem voltava a apitar e rompia nova saída , lá íamos nós mais próximos agora  de chegarmos ao nosso destino...





                            Outra cidade e estação em seguida era anunciada : ITIRAPINA ... Itirapina... itirapina...



                            Lembro-me bem, que certa vez, nesta estação, após o trem parar, dentre outros vendedores  externos de revistas, doces, bebidas, flores, etc.,   veio um rapaz vendendo cestinhas de uvas... uvas rosadas de Jundiaí... em um enorme tabuleiro , cheia delas... presas por um cordão no seu pescoço.



                            Meu pai me dera uma nota de dez cruzeiros ( uma verdinha, com estampa do Presidente Getúlio Vargas, lembram-se delas ? – Ah! sei que não é do seu tempo... não faz mal... ). A tal cesta  me foi oferecida, peguei-a, custava dois cruzeiros... e o  moço não tinha troco... o trem iniciava a sua partida, e eu  com a cesta de uvas na mão, a boca cheia d’água, querendo prová-las... olhava para o vendedor, para cesta e para o dinheiro... não sabendo o que fazer... o  trem andava , o vendedor apressadamente acompanhava pela plataforma dizendo para jogar a cesta ou o dinheiro...  o trem empreendia marcha rápida, o rapazola gritava e eu, na incerteza de jogar a cesta ou o dinheiro... mesmo com pena dele... levei a cestinha com as uvas... sem pagar...



                            Pensei depois, comentando com minha mãe, que  pagaria as uvas quando voltássemos...



                            O trem foi adiante , levando a gente, e o rapaz do tabuleiro de uvas, ficou para trás...



                            Chupamos as uvas.... deliciosas... rosadas... de Jundiaí... ou de  Itirapina.... pensando na cara do rapaz... e em nossa incerteza....



                            Nossa atenção voltou , quando o funcionário do trem anunciava : RIO  CLARO... Rio  Claro... rio  claro...



                            A alegria tomava conta de todos nós, estávamos chegando ... iríamos ver minhas irmãs, minha avó.  meus tios, tias e primos.....



                            O trem diminuía a sua marcha ... apitava e começava parar na estação de Rio Claro...



                            Chegamos... agora era pegar as malas, arrumar uma charrete para levá-las – pois ali em frente a estação havia um bom   número delas, que era para transportar  malas, pacotes e  até os passageiros, além dos carros de praça (táxis) , cujo ponto ficava no outro lado da Rua Hum, em frente da mesma Estação( as vias públicas de Rio Claro , ao vez de nomes de pessoas ou autoridades, eram numeradas, a exemplo de Rua Hum, Dois, Três, Avenida Hum, Dois, Três, etc) .



                           



                            A casa da minha avó materna ficava na mesma Rua Hum, número : 754,          e o trem passava no quintal de sua casa, onde tinha um caramanchão coberto de trepadeiras e flores, contendo no seu interior  uma mesa de madeira  e bancos, onde nós, eu e meus primos, ocupávamos para tomarmos  as refeições , que eram servidas por minhas tias, acompanhadas de saborosos refrescos e  lindas histórias... ao lado, fazendo sombra e produzindo frutos, um enorme pé de jambo.



                            Toda vez que se ouvia um barulho de trem, indo  ou vindo de São Paulo, lá corria o menino caipira, trepava no muro e ficava vendo o trem passar....às vezes, uma das máquinas locomotivas, vinha até ali em frente, fazendo manobras de linhas, e parava, ocasião que  dava oportunidade para  conversar com o maquinista, que aliás era ele, pessoa muito importante para a molecada, e ele dava trela, indagando nomes, batendo breves  papos,  e, com isso   tornando-se  nosso ídolo.



                            Toda vez era um reencontro maravilhoso com os meus parentes em Rio Claro, cidade plana, bonita, cheia de  luzes, bicicletas e charretes.



                            No centro, duas praças, abarrotadas de  árvores , contendo  enormes canteiros com muitas flores, inúmeros bancos, onde se assentavam jovens e idosos, a fim de sombra e água fresca;  de um lado o Zoéga ,  famosa  padaria e confeitaria, dos doces e salgados  gostosos,  do outro o Cinema e a Rádio Excelsior, onde em frente havia o footing , que era o vai e vem das  moças mais lindas ( e também de algumas menos afeiçoadas)  da região, perfilando no meio da rua , rodeada de rapazes.



                            Mais adiante,  tínhamos o prédio e a capela da  Escola Normal “Puríssimo Coração de Maria”, estabelecimento de ensino onde minhas irmãs estudavam .



                            A “Cidade Azul” era  conhecida, em todo Brasil, não só por ser  a terra natal do Deputado Ulisses Guimarães,  como, também,  a cidade que possuía a Fábrica da  renomada cerveja preta “Caracú”,  pertencente à tradicional Família Scarpa;  os times de futebol :  Velo Clube Rioclarense, e o Rio Claro Futebol Clube; os exímios campeões de natação do Ginásio Koelly; a  afamada  Fábrica de Tecidos da Família  Saad; o Horto Florestal “Navarro de Andrade”; e na famosa Avenida Hum, a “Casa  Haddad” . de tecidos, pertencente aos meus queridos  tios :Zecche, Kamel e Fuad, que, naquele bom tempo, revolucionavam a cidade com promoções e sorteios, e  os melhores artigos, pelos menores preços, possuindo enorme circulo de amizade e freguesia, eles  também,  nos proporcionava momentos inesquecíveis contando   fantásticos causos e anedotas, nos ofertando risos e lazeres...  hoje,  já estão todos, quase todos os meus parentes, para  o nosso pranto, no outro lado da vida, ou seja, pertinho de Deus.



                            Aqui  entre  nós, quando retornávamos, este era o momento triste, todos choravam  e nos despedíamos , como se nunca, nunca mais fôssemos nos ver, assim como não mais vi, nem encontrei , o menino vendedor de uvas rosadas de Jundiaí, na Estação de  Itirapina.



                            Ouvia o homem anunciando ao inverso da nossa ida,  as várias cidades e estações... os postes continuavam a correr ao nosso lado e do trem... ...outras faces e rostos desconhecidos perfilavam à nossa frente, na simples e rápida troca de olhares , no vai e vem da vida, no  longo caminho onde vou e tu vais...



                            A  mais triste  e doce lembrança que sempre surge  na minha mente, é quando tomo guaraná , e tristonho passo a recordar  o menino todo importante , sentado junto com seu pai,  no carro restaurante do trem...



                            E um gosto esquisito e amargo,  vem fazer com que, ao longe, se ouça um melancólico som de um sino, buzina ou apito , fazendo brotar  em meus olhos um montão de lágrimas... que descendo pelas minhas faces, venham formar  dois trilhos  de água , que descem até o meu peito,  como se fossem conduzindo  um  invisível trem, o trem da saudade, que segue  rumo ao meu coração....





                                                        Milton  Hauy

6 comentários:

  1. Muito liiiinndooo!Milton, parabéns!abs da Leila

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  2. adoreiii vo0 eu te amo0o0
    vc e de maissss
    bjuss

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  3. vovo adoreiiiiii te amoo
    tudo que vc faz e muito bom...
    amo vcc

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  4. Lindo,lindo,Milton!!! Fiquei emocionada...lembro -me do seu pai e sua mãe.

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  5. Que leitura gostosa, me senti criança outra vez viajando em suas reminiscências, parabéns pelo blog, está maravilhoso...gde abç..!

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  6. À todos vcs que postaram os comentários acima, fico-lhes grato pela atenção, agradeço os elogios, enviando-lhes o meu fraterno abraço

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