Relembro com saudade aqueles dias que antecediam o aniversário da Escola Coronel Alfredo
Marcondes Cabral de Getulina.
Vendo
as crianças hoje desfilarem pelas ruas de nossa cidade, divulgando o “Programa Escola da Família”, me deu vontade de
recontar - com uma saudade imensa , uma
das maiores apresentações , criadas por alunos, e por verdadeiros Amigos da
Escola - na história de nossa terra e região.
Aconteceu
no final da década de 60, juntamente com os amigos Oldenir (Bill) Toledo Nocchi
e Pacini Cirino da Costa, idealizamos
promover uma atração diferente naquele ano, proporcionando expectativas em
torno das comuns festividades que a cada
ano se realizava.
Contamos,
também, dentre outras, com a colaboração do colega e amigo Linconl Chinchila
Martins, que além de ex-aluno do estabelecimento festivo, agora estava gerenciando a filial
local das Lojas Riachuelo, que nos deu a
publicidade e ainda ofertou um lindo brinde para quem adivinhasse a
nacionalidade do “Mister Niger” –
denominação que demos ao artista principal daquele evento memorável – e que
quase todos pensavam ser estrangeiro.
Com isso a juventude
estudantil de Getulina tornou-se mais vibrante ainda, crescia a grande
ansiedade em torno do espetáculo, que no início parecia simples, e que começou
a avolumar-se à cada dia , vindo culminar com a chegada de um telegrama –
tivemos a ajuda do hoje saudoso Lupércio Becegato,( então Agente do Correio
local) e, do nosso irmão Toninho Mengato, que aí se encontra , para juntamente
conosco recordar aquela grande manhã, cujo espetáculo foi realizado no
Cine Paroquial São Luiz (Cinema do Padre) , e que nos fora,
naquela ocasião, gentilmente cedido pelo ora pranteado Padre Lupércio Pereira
Simões, o Pároco de então, - que dizia : “Chegarei no dia marcado vg pela manhã
pt. Abraços pt. Mister Niger.”
Cumpre
esclarecer antes, que soubera que um estudante de engenharia possuía uma
fantasia premiada em Lins, e que o mesmo morava lá em uma Pensão; tratei logo
de procurá-lo ,e ele me emprestou a rica fantasia de um diabo, com rabo e
máscara de borracha, além de uma bela capa de cetim em preto e vermelho, enfim
uma maravilhosa peça, que de antemão sabia que agradaria em cheio !
Mas,
como antes, já havíamos brincado com várias pessoas em nossa praça ,
hipnotizando algumas delas, pairava qualquer coisa no ar, ou melhor, na mente
delas, que eu poderia ser o tão esperado artista.
Tratamos
logo de desfazer essas idéias, para não
quebrar o encanto preparado da surpresa.
Havia
a necessidade de um aparelho de som, a fim de tocar a música que usávamos para hipnotizar , e foi o Pixoxó
quem nos emprestou uma Sonata – novinha, ainda na caixa, sem uso – para
completar o brilho do espetáculo.
Certa noite, quando retornava de Lins, por
volta das onze horas, o Bil e o Pacine me aguardavam nas proximidades do Fórum
, para que fossemos ensaiar e preparar o Salão , para o tão aguardado Show, que seria na manhã seguinte.
Rumamos direto ao Cinema do
Padre, vez que ele já nos tinha emprestado as chaves do prédio, e fomos
instalar o som, no majestoso palco que
lá havia ( como todo mundo sabe, atualmente o referido cinema não mais existe,
dando lugar ao Supermercado Caliani, e o dito palco ficava ali onde hoje está a
parte de frios do mencionado estabelecimento comercial).
Não cuidamos de verificar a voltagem do salão com a do
aparelho, e eis que quando o Pacini ligou a Sonata na tomada da parede , foi bruscamente arremessado com caixa e tudo, acompanhado de um estrondo, fazendo soltar faíscas e a pegar fogo no aparelho, que por sorte,
logo apagamos, pois havia água nas proximidades. Quase que o fogaréu se propaga
até as cortinas, e aí seria o caos... iríamos acabar bem antes com o cinema do
Padre, e de forma mais triste...
Juntamente
com o Pacini e o Bil, caimos nós desesperados...como fazer (?!?) , parece que
havíamos estragado a sonata novinha do Pixoxó... e, além de ficarmos sem som,
teríamos que pagá-la... sem ter dinheiro...
Já
se passava da meia noite, quando uma feliz idéia nos alentou... – Vamos até
a “Casa do Rádio” , do senhor Américo
Katsumi Aoki que era técnico, entendido no ramo, para ver se ele daria um jeito
na coisa – ele era pai e tio de colegas
nossos : Renê, Tustiã, Sábaro , Minoru e outros pertencentes à ilustre Família
– a então loja ficava ali, onde hoje
temos o Foto e Vidraçaria do Mirão , na Rua Vergueiro de Lorena.
Apesar
de notarmos que todos dormiam, acordamos o sr. Américo, que sempre fora
prestativo, nos atendendo com aquele inconfundível sorriso oriental,
convidando-nos a entrar, e passou a vistoriar o aparelho do Pixoxó, com os seus
especiais aparelhos.
Para
sorte nossa, o estrago, apesar do fogaréu, não havia sido muito, apenas
queimara uma pequena peça, pois a voltagem do salão era de 220 e a do aparelho
110 volts., motivo do curto circuito, que nos assustara.
Em
suma, não tinha no momento a peça certa para substituir a danificada, mas,
colocou para tentar sanar temporária e precisamente uma usada, a fim de pudéssemos usar a Sonata
no Show, comprometendo-se a pedir uma peça original, para ser colocada depois, o que foi feito.
Com
isso, fomos dormir e prepararmos para o que viria nas próximas horas daquele
dia ...
Perto
do horário de início do Show, de manhã, vimos que nas proximidades do Cinema do
Padre, que a sua frente, já estava apinhada de estudantes, de ambos
os sexos e de todas as idades, num alarido alegre e contagiante, como são quase todos alegres os alaridos estudantís.
Pela
cidade, naquela ocasião, também estava sendo realizada uma promoção com vendas de títulos patrimoniais, que
ajudariam na construção da primeira piscina da SAG – entregues pela Diretoria à
uma Firma de fora especializada no
gênero , cuja turma de vendedores se
espalhava por nossa urbe; oportunidade,
que pedi à um deles, quando estava abastecendo seu veículo no “Posto
Macedo”(onde hoje está o Banespa), para que desse a volta, pois o carro estava
com a placa de São Paulo, e não era conhecido pelo nosso pessoal,
principalmente o estudantil – e levasse a minha maleta até o cinema, que
estaria esperar em frente, pedindo para que ele descesse do carro, acenasse
para os alunos, e falasse algumas palavras em castelhano, para iludí-los,
contando-lhe sobre o eventual espetáculo que iria se realizar, e ele topou na hora, sem nada me cobrar pelo trabalho;
pedi para que entrasse pela porta da frente, e depois saísse pelos fundos,
passando pela Casa paroquial, o que realizou, de forma perfeita.
Os
estudantes adentraram o local, em seguida, acomodando-se nas poltronas do
cinema, cujo palco estava com a sua enorme cortina vermelha, fechada.
No
início, apresentamos alguns números musicais, e rápidas cenas humorísticas
(esquetes) , tendo como protagonistas alguns estudantes da própria escola, que
nós havíamos ensaiado antes, para tais atos.
Depois...
o momento esperado e culminante – contamos também com o auxílio dos então
funcionários, hoje tão saudosos, Cridio
Zanco e Lidia da Silva Laraya – enquanto o Cridio , embaixo do palco
providenciava uma lata com pólvora, para que logo após o estrondo da bomba que
seria acionada, o Mister Niger
aparecesse no meio da fumaça, de maneira
triunfante ( o que aconteceu, e ficamos
sabendo posteriormente, que o Cridião se queimara ao acender o fósforo e por na
lata de pólvora, chamuscando-lhe as mãos e o rosto... – como sofrem os artistas
e seus auxiliares,nos bastidores,heim ?
Muitas vezes sem ninguém saber....
Ao
vislumbrarem no palco aquele diabo, a
molecada se assustou, e alguns da platéia, até correram para fora do cinema...
com pavor do que viam...
Mister
Niger começou hipnotizando pessoas da platéia, que subiam ao palco e sentavam
em várias cadeiras ,ficavam ouvindo a
música , tocada pela sonata do Pixoxó, que de som meio fanhoso, lançava no
ar : É tão sublime o amor”, apenas
orquestrada.
Mas,
como a apresentação já estava combinada
com o Bil, o artista tratou logo de dispensar a moçada , deixando os conformes
e passando para os finalmentes...
O
Bil, havia há poucos dias, antes da tal apresentação, passado por uma delicada
cirurgia em um dos ouvidos, estando em convalescência, e mesmo assim,
compareceu ao espetáculo fingindo ser mero espectador , que fora chamado ao
palco, a fim de ser hipnotizado.
Não
demorou muito, depois das preliminares introduzidas pelo Mister Niger, para que
o Bil adormecesse....momento em que fora
solicitado à platéia um de seus representantes , para a verificação se ele estava ou não dormindo.
Sobe
uma das mocinhas, não me lembro quem... (mas sei que o Bil dela jamais
esqueceu...) e começa em dar-lhe uns
beliscões, inicialmente nos braços, estes eram fortes - pois o Bil praticava
box e vários outros exercícios- depois,
como por azar, ela foi diretamente beliscar uma de suas orelhas, coincidentemente a que houvera sido
operada – gente ! foi um verdadeiro chute no ... braço...digo, apesar de ser
com os dedos de uma das suas mãos, um pé na orelha ! – hoje, até
no falar, ou contar, sinto as dores que sentiu o Bil naquele momento!... – e ele aguentou firme,
sem gemer, mas, via-se cair de seus olhos um montão de lágrimas...
Tratei
logo de tirar a malvada de cena, e depois apresentamos o que se estava previamente
ensaiado, tanto na parte de hipnose, como de telepatia... foi um enorme sucesso !
Aqui entre
nós, se tivéssemos continuado com
as apresentações (embora mais uma vez, posteriormente, com igual êxito, a fizemos no Clube
Linense ,
o que é história para uma outra vez...) por esse Brasil afora, acho que
estaríamos ricos e famosos, tanto é que
o tal de Mister “M”, que a TV apresentou, e apresenta de quando em vez, não dá nem para engraxar a
bicanca do Mister Niger !
Não
posso esquecer de mencionar algumas
outras coisas muito importantes e marcantes : a primeira, que ao ir
devolver e agradecer o empréstimo da fantasia do diabo ao estudante de
engenharia em Lins, soube que ele havia fugido de lá, por não ter dinheiro para
pagar os débitos que contraíra na praça, pois até a dona da pensão ele não pode
pagar... enfim, não devolvi a tal fantasia, e considerei o Mister Niger uma
singela homenagem ao tal estudante, que talvez, nem chegou a ser engenheiro, e
cujo nome nem fiquei sabendo, mas, lhes somos eternamente gratos, esteja onde
estiver !
A
segunda, é que depois. O seu Aoki consertou a Sonata, e ela ficou perfeita !
Devolvemos ao seu dono, com os mais profundos agradecimentos; e o nosso prezado
amigo Pedro, o Pixoxó, muitos anos depois morreu,( Deus o tenha !) sem saber o que tinha acontecido com o seu aparelho de som , na noite que
antecedeu a inesquecível apresentação artística acima narrada.
O
que restou de bom, além de outras nossas
fantasias, é que, de vez em quando, encontramos
um dos alunos daquela dourada época , e ele nos diz : - “Jamais me
esqueci do Mister Niger ! ou,
Aquela
apresentação marcou bastante a nossa
juventude, valeu !...”
Milton Hauy