quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

MARIA FUMAÇA

                              Quando menino,  adorava andar de trem, e  a estrada de ferro não chegou até Getulina, por causa da briga dos coronéis, que obrigaram  os trabalhadores  a desviarem o rumo dos dormentes e  trilhos, caso contrário , seguiriam outras trilhas...



                            Minhas  duas irmãs foram estudar , em Colégio  interno, dirigido por Freiras,  na cidade de Rio Claro.



                            E de quando em vez, íamos até lá visitá-las, para levar-lhes materiais, vestimentas e doces caseiros, e nessa ocasião,  meus pais me levavam junto com eles.



                            Era um místico de alegria e tristeza.

                              Alegria ao iniciarmos viagem. Pegávamos o trem em Lins, seus vagões  eram puxados por enorme locomotiva , que  era dirigida pelo maquinista e  alimentada pelo “foguista” com  toros de lenha, cujo vapor  a acionava, e os passageiros iam recebendo fagulhas que saiam da chaminé da então chamada “Maria Fumaça”, tocando-a para frente, indo queimar o povo lá atrás. .



                            Quando chegávamos na Estação Férrea de Bauru, o trem batendo sinos e apitando anunciava a sua chegada, depois  havia baldeação, ou seja,   adentrávamos outro  trem, o elétrico, cuja locomotiva e os demais vagões eram mais rápidos,  bonitos e modernos.



                            Algumas vezes íamos de Lins a Bauru de  ônibus, para evitar as fagulhas da “Maria Fumaça”, e em frente à então bonita Estação Ferroviária da “Cidade sem Limites”, havia o “terminal rodoviário”, onde os ônibus que chegavam  estacionavam  diante de alguns bares e restaurantes, e então íamos, com o meu pai, até as bilheterias comprar as  passagens para o trem, depois embarcávamos, no  que iria até São  Paulo, passando e parando antes em Rio Claro.



                            Nunca me esqueci, do tempo em que meu pai me levava até o vagão restaurante do trem,   sentia-me todo importante, sentado  a mesa , pedia um guaraná , e ali tomava, em um copo grande,  ou mesmo,  na própria garrafa, o saboroso refrigerante , com um canudinho...



                            O trem elétrico  andava bem mais rápido que o outro, e olhando pela janela, via as árvores e os postes correrem  também em sentido contrário ao nosso... uma vez até pensei em falar que, iríamos de trem, mas,  deveríamos voltar de poste...(Ah! coisa de criança...).





                            Íamos sempre de primeira classe,  em poltronas, com almofadas  bem confortáveis ,  mas, gostava de ir ver os vagões de segunda classe, e até sentar-me em uma de suas poltronas , feitas de palhinha...e de ripas, sem almofadas.



                            O fiscal do trem vinha  picotar  as passagens, e minha mãe  pedia ao meu pai para que  as entregasse a mim, a fim de mostrá-las ao então fiscal.



                            Passavam, durante o percurso, internamente, no trem,    os vendedores de revistas, doces e  bebidas, e quase sempre estava querendo eu alguma coisa...só o guaraná,  pedia ao meu pai que me levasse até o carro restaurante..,



                            De vez em quando passava um funcionário de quépe,  trajando uma farda marrom ou azul, anunciando a próxima estação ou cidade...  JAÚ...e ia passando adiante pelos  outros vagões, que do meu, ainda  escutava  o eco : JAÚ.. Jaú...jaú...





                            E olhando pela minha janela, ou seja, a janela do meu vagão,  via o trem apitar chegando na estação anunciada, onde parava por alguns minutos, a fim  que descessem alguns, e subissem outros passageiros,  e  estes, juntamente conosco,  depois, seguiam adiante...





                            Passadas as horas, novamente o mesmo funcionário voltava anunciando : DOIS  CÓRREGOS ....Dois Córregos.... dois  córregos...



                            Ficava em expectativa da chegada da nova estação... o trem parava, novas descidas e subidas de passageiros, entrega de um malote  para o chefe da estação ... um outro funcionário  passava batendo um   martelo nas rodas do trem ... ouvia-se o apito/buzina  da locomotiva, e o trem seguia em frente...



                            Muitos minutos depois, vinha lá o funcionário anunciante : BROTAS...Brotas....brotas....





                            Era a nova cidade e estação que iríamos chegar , parar e passar,  dentro de  mais alguns instantes...



                            Quase a mesma cena se repetia, o trem apitava, chegava, parava, havia a  troca de malotes, as marteladas nas rodas, rostos desconhecidos sorriam, olhavam, algumas pessoas embarcavam outras  acenavam, desciam e iam embora... o trem voltava a apitar e rompia nova saída , lá íamos nós mais próximos agora  de chegarmos ao nosso destino...





                            Outra cidade e estação em seguida era anunciada : ITIRAPINA ... Itirapina... itirapina...



                            Lembro-me bem, que certa vez, nesta estação, após o trem parar, dentre outros vendedores  externos de revistas, doces, bebidas, flores, etc.,   veio um rapaz vendendo cestinhas de uvas... uvas rosadas de Jundiaí... em um enorme tabuleiro , cheia delas... presas por um cordão no seu pescoço.



                            Meu pai me dera uma nota de dez cruzeiros ( uma verdinha, com estampa do Presidente Getúlio Vargas, lembram-se delas ? – Ah! sei que não é do seu tempo... não faz mal... ). A tal cesta  me foi oferecida, peguei-a, custava dois cruzeiros... e o  moço não tinha troco... o trem iniciava a sua partida, e eu  com a cesta de uvas na mão, a boca cheia d’água, querendo prová-las... olhava para o vendedor, para cesta e para o dinheiro... não sabendo o que fazer... o  trem andava , o vendedor apressadamente acompanhava pela plataforma dizendo para jogar a cesta ou o dinheiro...  o trem empreendia marcha rápida, o rapazola gritava e eu, na incerteza de jogar a cesta ou o dinheiro... mesmo com pena dele... levei a cestinha com as uvas... sem pagar...



                            Pensei depois, comentando com minha mãe, que  pagaria as uvas quando voltássemos...



                            O trem foi adiante , levando a gente, e o rapaz do tabuleiro de uvas, ficou para trás...



                            Chupamos as uvas.... deliciosas... rosadas... de Jundiaí... ou de  Itirapina.... pensando na cara do rapaz... e em nossa incerteza....



                            Nossa atenção voltou , quando o funcionário do trem anunciava : RIO  CLARO... Rio  Claro... rio  claro...



                            A alegria tomava conta de todos nós, estávamos chegando ... iríamos ver minhas irmãs, minha avó.  meus tios, tias e primos.....



                            O trem diminuía a sua marcha ... apitava e começava parar na estação de Rio Claro...



                            Chegamos... agora era pegar as malas, arrumar uma charrete para levá-las – pois ali em frente a estação havia um bom   número delas, que era para transportar  malas, pacotes e  até os passageiros, além dos carros de praça (táxis) , cujo ponto ficava no outro lado da Rua Hum, em frente da mesma Estação( as vias públicas de Rio Claro , ao vez de nomes de pessoas ou autoridades, eram numeradas, a exemplo de Rua Hum, Dois, Três, Avenida Hum, Dois, Três, etc) .



                           



                            A casa da minha avó materna ficava na mesma Rua Hum, número : 754,          e o trem passava no quintal de sua casa, onde tinha um caramanchão coberto de trepadeiras e flores, contendo no seu interior  uma mesa de madeira  e bancos, onde nós, eu e meus primos, ocupávamos para tomarmos  as refeições , que eram servidas por minhas tias, acompanhadas de saborosos refrescos e  lindas histórias... ao lado, fazendo sombra e produzindo frutos, um enorme pé de jambo.



                            Toda vez que se ouvia um barulho de trem, indo  ou vindo de São Paulo, lá corria o menino caipira, trepava no muro e ficava vendo o trem passar....às vezes, uma das máquinas locomotivas, vinha até ali em frente, fazendo manobras de linhas, e parava, ocasião que  dava oportunidade para  conversar com o maquinista, que aliás era ele, pessoa muito importante para a molecada, e ele dava trela, indagando nomes, batendo breves  papos,  e, com isso   tornando-se  nosso ídolo.



                            Toda vez era um reencontro maravilhoso com os meus parentes em Rio Claro, cidade plana, bonita, cheia de  luzes, bicicletas e charretes.



                            No centro, duas praças, abarrotadas de  árvores , contendo  enormes canteiros com muitas flores, inúmeros bancos, onde se assentavam jovens e idosos, a fim de sombra e água fresca;  de um lado o Zoéga ,  famosa  padaria e confeitaria, dos doces e salgados  gostosos,  do outro o Cinema e a Rádio Excelsior, onde em frente havia o footing , que era o vai e vem das  moças mais lindas ( e também de algumas menos afeiçoadas)  da região, perfilando no meio da rua , rodeada de rapazes.



                            Mais adiante,  tínhamos o prédio e a capela da  Escola Normal “Puríssimo Coração de Maria”, estabelecimento de ensino onde minhas irmãs estudavam .



                            A “Cidade Azul” era  conhecida, em todo Brasil, não só por ser  a terra natal do Deputado Ulisses Guimarães,  como, também,  a cidade que possuía a Fábrica da  renomada cerveja preta “Caracú”,  pertencente à tradicional Família Scarpa;  os times de futebol :  Velo Clube Rioclarense, e o Rio Claro Futebol Clube; os exímios campeões de natação do Ginásio Koelly; a  afamada  Fábrica de Tecidos da Família  Saad; o Horto Florestal “Navarro de Andrade”; e na famosa Avenida Hum, a “Casa  Haddad” . de tecidos, pertencente aos meus queridos  tios :Zecche, Kamel e Fuad, que, naquele bom tempo, revolucionavam a cidade com promoções e sorteios, e  os melhores artigos, pelos menores preços, possuindo enorme circulo de amizade e freguesia, eles  também,  nos proporcionava momentos inesquecíveis contando   fantásticos causos e anedotas, nos ofertando risos e lazeres...  hoje,  já estão todos, quase todos os meus parentes, para  o nosso pranto, no outro lado da vida, ou seja, pertinho de Deus.



                            Aqui  entre  nós, quando retornávamos, este era o momento triste, todos choravam  e nos despedíamos , como se nunca, nunca mais fôssemos nos ver, assim como não mais vi, nem encontrei , o menino vendedor de uvas rosadas de Jundiaí, na Estação de  Itirapina.



                            Ouvia o homem anunciando ao inverso da nossa ida,  as várias cidades e estações... os postes continuavam a correr ao nosso lado e do trem... ...outras faces e rostos desconhecidos perfilavam à nossa frente, na simples e rápida troca de olhares , no vai e vem da vida, no  longo caminho onde vou e tu vais...



                            A  mais triste  e doce lembrança que sempre surge  na minha mente, é quando tomo guaraná , e tristonho passo a recordar  o menino todo importante , sentado junto com seu pai,  no carro restaurante do trem...



                            E um gosto esquisito e amargo,  vem fazer com que, ao longe, se ouça um melancólico som de um sino, buzina ou apito , fazendo brotar  em meus olhos um montão de lágrimas... que descendo pelas minhas faces, venham formar  dois trilhos  de água , que descem até o meu peito,  como se fossem conduzindo  um  invisível trem, o trem da saudade, que segue  rumo ao meu coração....





                                                        Milton  Hauy

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

O QUINTAL DA MINHA CASA

Lá no quintal da minha casa paterna/materna, ou seja,  do seu Ricardo e Dona Meire, eu, também era rei, e naquele  época, tínhamos  uma lei que obrigava,  todo mundo  a  ser  feliz...pois, “no tempo da maldade, a gente nem tinha nascido...” .


                   O espaço do terreno era enorme , ia de uma rua na outra.

                   Era uma selva diferente e  agradável, que além das feras imagináveis  tinha os pés de manga, laranja, caju, amora, pitanga ,abacate, goiaba , e até de laranja lima, além dos mamoeiros,  pés de mamona , mandioca , paineiras, e outras árvores gigantes, cujo nome deslembro , e que faziam belas sombras, onde descansávamos do árduo trabalho de brincar...  e suas copas nos abrigavam das pequenas chuvas...

                   Muitas vezes os meus cachorros : Marulho e Sultão, faziam o papel de leões ou tigres,  os gatos : Chin  e Malhado, eram onças ou  panteras... os galos e galinhas  índias do meu irmão Salomão, além dos pássaros livres, representavam vários outros animais selvagens...

                   Já os elefantes e outros bichos maiores, ficavam por conta da nossa fértil imaginação...


                   Um número imenso de crianças vinham de todos os cantos da cidade,   todos os dias, brincar comigo,  no meu quintal.

                   Nele havia também  uma casa grande de madeira, que quando ficava desocupada (não estava alugada)  era motivo de euforia, pois transformava-se em  um dos  esconderijos, e, ou,  locais para reuniões do nosso time de futebol.

                   Tudo de interessante,  que víamos nas telas do Cine Teatro  Getulina( então do Chico Antão)  ou do Paroquial São Luiz (do Padre Lupércio), transportávamos , à nossa maneira, para o quintal  lá de casa, ora  apresentávamos no cirquinho (que ficava embaixo do porão), ora em nossa selva ou mata virgem (vejam, naquele tempo elas ainda existiam!...) .

                   Eis a turma : Nicolau Armelli, Mário (Foki)  e Paulo Takeda, Toninho, Balô, Ditão e Dinho Mengato,  Waldir e Oldenir (Bil) Nocchi, Francisco Osmar e José Luiz (Ziza) Ambrósio, Roberto Janeiro,José Belmonte( Zé Boteco),Arlindo(Carabina) Miltinho e José da Silva, Onofre, Ledo, Diné e Moacir Giorgiani, Edson (Esquerdinha) Eller, Clodney  (Diney) Falqueiro,Pedro(Pedrão) Silva, Pedro Saunitti,   Dera, Nico, e  Abelardo Silva, Hermelindo Schuindt, Salvador(Bolinha) e Francisco ( Chico) Alves, Marival e Tunico Trazzi, ,Álvaro (Alvinho) Cotarelli, Toshio, Sumió e Eikiti Noda, Chico Mattos, Boli, Lineu e Walter Canazzaro, Mitio e Vitório Gotto, Renê, Sabaru, Minoru e Jorge  Toshiuki (Tostiã) Aoki, Roberto (Padreco), Alberto (Canarinho) e Gilberto (Quinhentão) Fonseca, Roberto e Rui Bertoni, Patico e Pérsio Leite, Mitiaki Hosoi, Tonico Dinalli, Piolim e Zéca Rigoldi, Alvaro  Toscano, Nilson e Linconl Chinchila Martins, Angelo e Roquinho Tricárico, Percival Raul Becegato, Shinji Ogoshi, Massuo (Maipú) Kato, Wanderlei (Gato) Vivan, Mário (Tico) e João Cione, Antonio (Toninho) Rabito, Adalberto (Mazaropi) Macedo, Roberto (Pó de Arroz) De Fully, Roberto (Beto) Leão, Teodoro  Sato,  Mario (Marinho) Martinucci Filho, José Roberto (Poli) Laureano Bicudo, Nelson (Nelsinho) Perche de Menezes Junior, Waldomiro  Borges(Dinho) Bana, Carlos (Dinho) e Armando (Picôvo) Alfieri,Luiz Alfredo (Enxadão) Campos Marques,  Osório (Osorinho) e Carlos  Parreira, Roberto (Betão) e Rubens (Rubinho) Sterse, Toninho (Pizza) Cecilio, Anibal (Chuca) Tobias, Fernando Simões, Jaime Bozelli, Athaide Walter (Ventila) da Silva,  Antonio Ernesto e Sebastião Luiz (Fuzileiro) Ferraz Tavares, Onivaldo (Budê) Martins,  Euclides (Cridio) Zuliani ,Luiz Francisco (Nego) Zabeu, Vardi (Portugues)Francisco Soares, Geraldo e José Alcino dos Santos, Aldo   Kominami, Wagner  Zanco, Eduardo (Baiano) de Mattos, Alécio (Alecião) Bernardes,  Celso de Oliveira Capitão (Capitãozinho) , Anésio (Primo) Valenciano( que ali, às vezes, levava, para ver a nossa brincadeira, o seu pequeno sobrinho Geraldinho Pisca Pisca),  Eudaldo (Dado) Borges de Souza, Ilson Gonçalves, Isaias  Bonfim, Nicola Sergio Dilleli, Florindo (Macarrão) Delalíbera, Roberto Ramos,Ademar Carlos dos Santos, Osmani Amaral ,Sadao Japonês (Quitanda), Joaquim (Quincas/Leblanc) Rebouças, Armando (Buroca) Nakamura, Carmelo Pagliuso, Ildeu Ivan (Minduim) Peres Leite,  José (Gueré) e Oliveira (Guinho) Vasques, Ademar (Miosótis) de Oliveira, Ildo(Ildão) Caliani, Rafael (Dutra) Alberto, Atshushi  (Bodão) Nakao,Pedro (Pedrinho) Araujo, e outros colegas e amigos, cujos nomes , no momento não me ocorreu, mas , igualmente como os demais, jamais serão esquecidos....

                            Pelo nosso quintal  apareciam, de quando em vez,  os ídolos,  heróis e artistas do cinema : Fantasma, Zorro, Homem Aranha, Capitão Marvel, Superman (Super Homem), Tarzan e Jane, Jim das Selvas,  Capitão América, Billy Kid, Sansão e Dalila, Durango Kid, Aranha Negra, Tocha Humana, Peter Pan, Robin  Hood, Três Mosqueteiros, Vampiro, Frankstein, etc.

                            Alguns dos meninos mais destemidos, subiam   nas árvores e em alguns troncos amarravam cordas, que antes eram enfeitadas com galhinhos e folhas, para transformarem-se nos cipós do Tarzan... todos queriam ser o “rei da selva”, mas, o dono do quintal, com o seu “carção” azul (de fazer educação física) era, geralmente, o  “musculoso”  homem-macaco...


                            Naquele tempo, tanto eu, como toda a molecada, tínhamos medo: da Noiva, que vinha, beirando a meia noite, de véu e vestido branco , lá da ponte e subia a Rua  Campos Salles; do Lobishomem do Vencaia, enorme cachorrão  que espantava animais e metia medo no pessoal; do Capeta, com os olhos  de fogo, montado em enorme porca,  lá da Fazenda Chantembled; do Saci, com uma perna só,  barrete vermelho na cabeça, fumando cachimbo, lá do Macucos; do Batião Cara Feia, um famoso jagunço de outrora,  que possuía uma bengala/punhal, cujo semblante nos apavorava...; do Homem da Capa Preta, que aparecia altas horas da noite na Rua Albuquerque Lins, cercando e assustando a molecada...; do Mirante, gigante ruivo,  com óculos, cujas lentes pareciam fundo de garrafa, tinha uma voz cavernosa que nos intimidava; Joãozão, meio aluado, bebia seus tragos nos bares, e pelas ruas, quando insultado,  mostrava uma língua enorme e  ameaçava correr atrás da molecada, mas, quando estava aparentemente bom e sóbrio, demonstrava ser muito inteligente e trabalhador , apresentando  uma série de trocadilhos memoráveis, capinava vários quintais e laborava na roça; do Pascoalim, Botina, Pedrão e Tervina , eram laboriosos até sexta feira, nos fins de semana, quando  ficavam  embriagados, tornavam-se ora alegres, ora ofensivos; além de vários fantasmas, caveiras e vultos, que diziam  aparecer  nas casas vazias e terrenos baldios, em noites de sexta feira.
                           


                            Quando eles eram  invocados, ironicamente,  pelos nossos pais, ficávamos mais obedientes,  tomávamos logo o remédio ou banho  necessário, ou comíamos toda a comida, até raspar o prato, e vínhamos mais cedo para casa...

                            Hoje, deles, a gente não teria mais medo...


                            Era tão bom  aquele tempo do  “ Faz de Conta”...parecia que a gente não  cresceria  nunca, nem iria ficar doente ou, até  que um dia ia ter que  morrer...

                            Pés descalços, calças ou calções curtos, peitos nus, brincávamos o dia todo, fazíamos, antes da chegada da maioria dos colegas,   profundos  buracos, como armadilhas, no meio do caminho  da nossa selva, onde antes cagávamos dentro e colocávamos espinhos, após cobríamos com galhos e folhas secas... depois de voltearmos  o buraco, provocávamos  a molecada  para que corressem atrás da gente, o que era feito, quando alguns despencavam dentro da arapuca, rompendo os galhos secos e sujando-se todos de bosta , eram choros e palavras que soavam  do mais baixo calão... o que causava risos e gargalhadas dos mais afoitos...

                            À tardinha, quando o sol ia se despedindo para a nova e bela apresentação da lua, que surgia por detrás de algumas nuvens de cambraia, a nossa brincadeira se interrompia, eis que as dedicadas  pagens do nosso Tarzan ( então jovens : Maria Tonza e Mercedes Morilho), à pedido de Dona Meire, vinham buscá-lo para o banho e jantar....iria prosseguir tudo de novo, na nova e próxima manhã, quando o sol retornava  morno e brilhante, e a lua desaparecia  no céu...


                            Quando estava escurecendo, colocávamos linhas ou barbantes, pouco acima do solo, cruzando o caminho,  para derrubar os  colegas distraídos, na correria de  se ir embora... além  da alta  exaltação de “filhos da puta” prá cima... muitas vezes, tínhamos que separar  ferrenhas brigas ... cujas reconciliações, geralmente, se faziam no dia seguinte.

                            Aqui entre nós,  recordemos...pois, estava plenamente certo, quando falou e disse o  outro  poeta: “não sei por que a gente cresce... se não sai da gente essa lembrança...”?!?


                                                   Milton Hauy

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

O BAZAR DAS NOSSAS ILUSÕES

                   No  mês  passado, cerraram suas portas de vez, o Bazar do seu Alípio, que por 58 anos atendeu com dedicação, simpatia e apreço a sua vasta clientela.



                   Comprara o mesmo , no ano de 1950, do senhor Arthur de Oliveira Machado,  um simpático comerciante, que ficara  provecto e solteirão, e depois de alguns anos  aqui falecera, e está sepultado em nossa Necrópole.



                    Em prédio alugado, situado à Rua Dr. Carlos de Campos, n. 402 ( onde hoje está a Panificadora Central , do Alfinete)  a Livraria e Bazar XV, iniciou suas atividades comerciais , em nossa cidade, sob a responsabilidade da firma Mattos & Cunha (Alípio Honório de Mattos e Darcy Gonçalves Cunha); alguns anos depois, a firma comercial passou a denominar-se : Mattos & Barbosa(Alípio e Celso  Barbosa, que adquirira sua parte do Darcy), e finalmente, tempos depois o Alípio adquiriu a parte do seu sócio e tornou-se  seu único proprietário, sendo então a firma exclusiva de Alípio H. Mattos, que mais tarde instalou-se em prédio próprio, na mesma Rua Dr. Carlos de Campos, n. 534.



                  



                   A maioria, assim como nós, quer queira, quer não queira, volta a ser criança ao lembrar da Livraria e Bazar XV, o Bazar do seu Alípio, pois ali , ao olharmos suas vitrines , nos transportávamos , em nossas doces fantasias, para um mundo encantado, que só  a mente infantil pode idealizar, de forma   tão perfeita, causando inveja aos adultos.

                   Era no Bazar XV que o Papai Noel, geralmente,   pegava os nossos sonhados presentes de Natal.



                   Ali ficavam expostas as nossas bolas de futebol, tanto as de borracha, como as de capotão , que muitos anos depois, evoluíram criando válvulas, e surgindo as de plástico.



                   As bonecas das meninas, desde as de pano, como as de massa, plástico, e depois as de porcelana e resina;  bercinhos, guarda roupas , mamadeiras,  pentes, espelhos e escovas, fogões, geladeiras,  bules, chaleiras, panelas e prateleiras, garfinhos, colheres e pratos , de latas, resinas e plásticos, para brincarem de  casinha...



                   Os carrinhos, caminhões, jardineiras,  tratores, aviões , trens, piões de latas, de madeira, fieiras, bilboquê (brinquedo consistente numa bola de madeira, com um furo no centro e presa por um cordel a um bastonete no qual ela deve encaixar), os cavalos de pau (que vieram dar trégua aos cabos, que perdiam as vassouras das mamães), os patinetes , soldadinhos de chumbo, jogos de botões, feitos de plástico, que vieram evitar o sumiço dos botões das capas do papai e do vovô; bicicletas de três rodas (que  viraram triciclos ou motocas), as bicicletas de duas rodas , (que antes só tinham , para alugar na  Oficina e Bicicletaria do Cannazaro); enfim uma infinidade de outros brinquedos, sendo que alguns não mais existem , outros foram modernizados, até os mais sofisticados : à pilha, bateria, elétrico, controle remoto, etc.





                   No Bazar do seu Alípio, o bom baiano, homem sempre bem disposto, pândego, alegre,  colaborador em todas as campanhas beneficentes, escolares e até nas particulares.  O Sub-Delegado enérgico, o caminhoneiro eficaz, o motorista de praça prestativo,  o vereador  batalhador, o chefe de família carinhoso, o amigo fiel, que tornou-se o comerciante de fama. Foi ele quem havia guardado após a extinção do Clube Atlético 9 de Julho, o capacete do Herói Constitucionalista, que atualmente se acha exposto na Praça Nove de Julho em Getulina.  No seu estabelecimento, também,   se comprava com ou sem dinheiro, mandando marcar (contas que se pagava, quando  podia ou queria...).  Era o local predileto para se comprar os presentes de aniversários, casamentos, amigo secreto, e outras ocasiões festivas, pois havia variado e amplo estoque , com preços módicos e convidativos.



                   Também comprávamos, formando enormes filas,  os materiais escolares, a primeira cartilha, os primeiros livros, lápis preto e coloridos, canetas com pena e tintas de escrever, as bolsas escolares de couro( hoje mochilas de plástico ou lonas); depois vieram as canetas-tinteiro (Park 51, Sheaffers, e outras marcas), até chegarem as canetas Bic e similares. Os fogos de artifício, as nossas bombinhas , traques,  as fitas com “peido de véia”, para brincarmos nas festas juninas.



                   Havia também no Bazar a parte ou seção de revistas e jornais, onde  cada freguês adquiria gibís ou gurís, em quadrinhos  com os famosos  heróis do cinema e do rádio, depois da TV; revistas da época :  O Cruzeiro, Manchete, do Rádio; Jornais : O Estadão, O Tempo, Folha de São Paulo, Gazeta Esportiva, Folha da Tarde, Notícias Populares, e outros.



                   Lembramos dos auxiliares do Bazar XV, alguns cujos pais pediam ao seu Alípio que lhes desse  o primeiro emprego : Nivaldo (Budê) , Cidinho ou Cidão de Carvalho, Edmilson , Cesar, Joca, Valdeci, Arthurzinho, Julio, Paulinho, Rogério, Ademir, Pirulito, Apaga-Vela, Goiaba, Fabiano, e as moças : Silvana, Sueli, Alessandra, Rita, Cidinha Rocha, Solange, Leandra, Cícera, Carla, e por fim Letheya, e outros cuja memória não alcançou no momento, mas, que juntamente com as pessoas citadas,  lá aprenderam e trabalharam  com afinco, tornando-se muitas delas, atualmente,  profissionais e proprietários  de renome, enfim pessoas capacitadas, todas idôneas,  e de responsabilidade invejável,  tanto no comércio, como nas lides domésticas.





                   Aqui  entre  nós, o braço direito do Seu Alípio, desde 1951, sempre foi a sua funcionária Jandira Zabeu, que após a sua viuves, tornou-se sua esposa e dedicada companheira, até os seus últimos dias, em 2007, dando depois sequencia comercial  nos negócios, até os meados  deste ano, de 2008 quando se resolveu encerrar as atividades do grande Bazar, da Livraria e Bazar XV, cujos jovens de ontem e de hoje guardam  com imenso carinho, boas recordações, do Bazar das nossas ilusões , em cujas prateleiras e vitrines estavam também os nossos sonhos infanto-juvenil, cujo tempo implacável, certamente,  jamais irá conseguir apagar de nossa mente , nem do nosso coração, onde irá permanecer uma imorredoura saudade, traduzida nesta  nossa singela homenagem.

  
                                                                      Milton  Hauy

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

O HOMEM DA CAPA PRETA

                   Vai longe o tempo em que,  na nossa  juventude,  se falava na aparição de seres sobrenaturais, não só nas ficções do cinema, livros e revistas, como na realidade,  em outras, e principalmente, em nossa cidade...





                   Isso nos apavorava de medo  !



                   E não era só a criançada que tremia, como também muitos adultos, de todas as idades.



                   Às vezes, o Onofre, aparecia em nossa roda dizendo sobre a aparição,  ali no pasto do outro lado do rio, de uma mula sem cabeça... ele teria visto o animal, numa noite de sexta feira, quando voltava do chiqueiro de porcos que mantinham lá no pasto do seu Paulino  Di Lello...



                   Dizia mais,  que ela corria atrás da gente, dando coices para todo lado...



                   E nós insistíamos com o  Norfo  : - Mas ela não tem mesmo cabeça ? É uma mula sem cabeça ?!?



                   E ele afirmava, categoricamente : -  Claro que é ... e  tem até uma estrela na testa.... (!!!!).



                   Todos riam... mas, o  medinho  não desgrudava da gente...



                   Era notícia que vinha  do Lobisomem  lá do Vencaia... da  Noiva que subia a Lacerda Franco passando  antes pela ponte  lá de baixo... do Saci Pererê, lá do Macucos... das Assombrações lá do Vinte de Maio.... da Moça do Baile, perto da Caixa D’Água... enfim dezenas de outras estórias, que deixavam a molecada  pálida  de pavor...



                   Mas, eis que certa noite, quando estávamos no final das férias, e  brincando de salva,  nos escondendo nos mais escuros esconderijos da Rua Albuquerque Lins, o Bentinho e o Carabina viram um vulto estranho passar por entre uns pés de mamonas, no pasto que ia até o Matadouro...



                   Fugiram aterrorizados... era o Homem da Capa Preta, pois ela reluzia mesmo na escuridão... e  após contar para os demais meninos, a brincadeira acabou mais cedo... todos voltaram , muito assustados , para casa...





                   Dias depois, ouvimos outros comentários sobre a aparição do Homem da Capa Preta, por volta das onze horas da noite...



                   Reiniciaram-se as aulas, e o Bentinho, juntamente com  outros estudantes, viajavam  para estudar em Lins, iam às 18,00 e retornavam  às 23,00 horas.



                   O Bentinho não se conformava em ter fugido naquela outra noite ...



                   E  após o final de suas aulas, numa sexta feira, retornando para Getulina,  resolveu  ele, após deixar os livros em sua casa, descer até a Rua Albuquerque Lins, munido de um canivete (talvez, o do cabo marrom...), onde não havia quase ninguém...



                   Foi até a casa do Caraba, e pediu  para ele lhe acompanhar até as proximidades do lugar que  haviam avistado, dias atrás,  o Homem da Capa Preta...





                   O relógio da matriz anunciava em uma badalada que eram 11,30 horas da noite...





                   Ventava , e os ramos das árvores balançavam... a luz do poste mais próximo, começou a ficar distante... a lua era cheia, e ajudava iluminar a rua e os caminhos escuros que estavam percorrendo ...



                   A cidade parecia inteirinha dormir... e os dois moços caminhavam, até que o Carabina disse ao Bentinho, que  não estava passando bem (cagando de medo)  e iria voltar... e voltaram...

Bentinho deixou o Carabina  no portão de casa, e retornou só para a

sua residência...

                   Mas, eis que, senão quando, o relógio da Matriz dava as suas doze badaladas... avisando ser meia noite, e o Bentinho estava próximo do portão do  enorme quintal de sua casa, eis que lhe surge a frente, o Homem da Capa Preta!...



                   Bentinho sentiu as pernas bambearem, quis correr, mas as pernas pareciam não ajudar... estava admirado com a cena que presenciava...



                   Virando  para os lados, ninguém mais se via, pensou em gritar mas, faltou-lhe  o som da voz... olhava fixamente para o vulto negro, de capuz cobrindo-lhe o rosto,  luvas e botas  pretas,  à poucos metros dele...



                   Nisso o vulto começou a abrir a sua vasta capa de cetim negro... os olhos de Bentinho se arregalaram...o corpo estava nu embaixo da reluzente  capa...



                   E o Bentinho viu que o Homem da Capa Preta..., nada mais   era... que uma Mulher !



                   Seu  corpo era   bem  feito, lindo de morrer...



                   Ela abriu, mais ainda,  a sua capa, e sem querer,  Bentinho se viu  envolvido, com ela, em ardente abraço...



                   Aqui  entre nós, a sequência  ocorrida naquela noite, fica por conta da sua imaginação... pois a verdade, nem sempre pode ser dita, e segredos não devem ser revelados...
                                              
                                                                                                      Milton  Hauy