domingo, 23 de dezembro de 2012

A FAZENDA DA PORCA



                                      Quando menino ainda, lembro-me  bem, de minha velha  infância, quando  meus pais abriram filiais, da nossa  loja de tecidos e móveis, nas cidades de Guaimbê  e  Júlio  Mesquita, com denominação de: “Casa  da  Baixa”(e até hoje, o ouço cantar, enquanto varria a calçada) :


                            “A  Casa da Baixa chegou em Guaimbê (bis)

                            E quem quiser fazer compras, que corra e venha vê...

                            Tudo bonito, tudo barato..., só não compra só quem não qué...(bis)

                            (Quem não pudé vir à cavalo, que venha à pé...)”
                                              
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                            Íamos no ônibus ou jardineira que fazia linha Getulina-Garça, e vice versa, pela estrada velha de terra, que passava pelo Mato do Galêgo, pois, naquele  tempo, não possuíamos a nova  via asfaltada, portanto não haviam as arapucas das crateras que têm vitimado muita gente, e danificado inúmeros veículos...(Às vezes, sentimos vontade de encabeçar campanha, a fim de que se retire a camada asfáltica, e deixe o solo primitivo de terra... que, voltemos, como antes,  a enfrentar, muitas vezes,  o areião, as  poeiras... e, quando chover, o barro ou lamaçal , porém , sem o perigo atual...)  saíamos de Getulina às 7,00 horas e chegávamos em Guaimbê, minha mãe e eu, quase 8,00 horas da manhã, meu pai seguia adiante, na mesma jardineira, indo até Júlio Mesquita., retornávamos às 18,30 horas, chegando em Getulina depois das 19,30 horas, se tudo corresse bem...


                            O motorista da jardineira (da Empresa Irmãos Vizotto), era o Kelé  Bigóde, um homem verdadeiramente pândego, de estatura média, moreno,  alegre e brincalhão.

                            Na ida passávamos pelo já dito Mato do Galêgo, depois,  em frente às Fazendas : Boa Esperança, Aroeira, Alianças (Primeira e Terceira) , Pau D’Alho, e, caminhos para o Panay e Jurema,  muitas outras propriedades, todas  apinhadas de gente e  pés de café, tanto de um lado, como do outro,  de muitas delas, avistávamos as enormes   colônias, que abrigavam o pessoal, trabalhadores rurais, que ajudavam a formar e  cultivar os imensos cafezais, do maior centro cafeeiro do mundo .


                            Por essa e muitas outras estradas do nosso município, transitavam as intermináveis boiadas e tropas , com milhares de animais, que eram conduzidas pelos boiadeiros  e  pelos  tropeiros.


                            O motorista Kelé, quando passava por pedestres ou caminhantes,  que iam e viam  pela estrada, costumava passar trotes,  dizendo : -“Cuidado que ai atrás vem vindo uma boiada com gado muito bravo, cuidado !” O pessoal saia correndo, adentrando ao cafezal em debandada  carreira...

                            Era só risadas... e quando, depois, encontrávamos  o motorista, aqui na cidade, gritávamos : Kelé !  Ele  respondia, com sua voz grossa,  sorrindo  : Méééé...!
                              E nos dias de carnaval e Folia de Santo Reis, o Kelé  costumava fantasiar-se de Boi-Bumbá...

                            O Kelé Bigode,  morava em uma casa de madeira, que ficava nos fundos do grande terreno, onde depois , passou, como propriedade , pelos nomes dos saudosos amigos : Alberto/Luiz Carlos Nardi , que iniciaram  a construção de uma bela residência; Nilo Falqueiro, que  a terminou, posteriormente, vendendo-a para o Ditinho Valenciano.

                           


                            De vez em quando , ia na filial da Casa da Baixa,  de Júlio  Mesquita, e  passava  pela Fazenda  Chantembled (uma das maiores propriedades rurais do Estado, com mais de sete mil alqueires de terras) , ocasião que meu pai  nos contou, ouvira dizer, que o dono dela vendera um pequeno pedaço para Max Whirts, apenas, l.500 alqueires, que transformou-se na famosa Fazenda Suíça.

                                      Em ambas Fazendas, haviam inúmeras casas para os colonos, além da casa da sede, que era sempre a maior e mais bonita, possuía também : armazém, cinema, bares, lojas, oficinas, igrejas,  escolas, campos de futebol, bochas, malhas, parques infantis e clubes de  festas e danças.

                                      Foram  conhecidos e aplaudidos os times de futebol das Fazendas :  Chantembled  e   Suíça, que participaram de vários torneios,  em Garça, Julio Mesquita,  Guaimbê, e  Getulina.

                                      Para cercar os milhares de alqueires da Fazenda Chantembled, o seu proprietário adquiriu , em um leilão na Alemanha, os arames que cercavam,  os famosos  Campos de Concentração alemães, na época da guerra, e os trouxe de navio para o Brasil, depois, do Porto de  Santos,  foram transportados de trem e caminhões , para a dita e imensa propriedade rural.

                                      Desse modo, apenas para ilustrar, vejam só onde vieram parar os arames dos locais de  tantas torturas e sofrimentos...(!!??).


                                      Não sei se foi em razão disso, ou de outros acontecimentos, mas, dizem que, na  Fazenda Chantembled, nas noites de sexta feira, aconteciam coisas estranhas que amedrontavam seus moradores, seus  animais e pessoas  visitantes.

                                      Apesar das rezas e bençãos, que se  faziam pela propriedade, nada adiantava, os fatos voltavam a acontecer em cada sexta feira, de forma,  cada vez mais,  assustadora.


                                     Uma pessoa estranha, montada em uma enorme porca, aparecia , por volta da meia noite,  de cada sexta feira, causando muito medo e arrepios na população rural daquelas bandas, e depois desaparecia, inesperadamente....

                                      Motivo pelo qual, a importante propriedade rural, ficou conhecida como a “Fazenda da Porca”.

                                      Contratou-se pessoas valentes e religiosas para dar fim ao problema.

                                      Dentre elas, um homem forte, falante e dizendo ser muito valente e corajoso, um tal de Caculé,  prometia para a próxima sexta feira pôr fim no caso tormentoso, com suas armas e laços.

                                      Aquela  sexta feira foi aguardada com grande anseio e  expectativa...não só pela população rural, como a das cidades circunvizinhas, que ouviam e conheciam os fatos .


                                      Durante todos os dias que se seguiram,  o assunto não foi outro, em todos os lugares, pois a labuta diária não parava, tanto na lavoura, como no comércio, ruas,  lares, bares,  hortas e roças.

                                      Só que em noite de sexta feira, após as onze horas da noite, ninguém mais queria sair fora de casa...por dinheiro nenhum...

                                      Razão pela qual, o homem, nortista valente, usando armas e cinturões recheados de balas, a exemplo do temido  Cangaceiro Lampião,  que viera,  há pouco de fora, contratado,  para pôr termo às aparições fantásticas, passou a semana sendo admirado e invejado por todos daquela redondeza.

                                      Até que chegou o dia, digo, a noite tão esperada de sexta feira !

                                      Assim como  Caculé, o nortista valente iria sair à cata do homem que montava a porca, o pessoal resolveu também pôr a cabeça de fora, e esperar pelo importante momento, depois das onze horas da noite.


                                     Algumas janelas se abriam meio  acanhadas e medrosas, poucas portas se viam entreabertas, e os minutos passavam...

                                      Lá fora somente o Caculé, armado até os dentes, e um ventinho gelado e vagabundo vagava por entre a rua...

                                      Em certo momento, após o relógio marcar meia noite, se ouviu um grande  barulho, cães, gatos e outros animais da fazenda corriam de um lado para outro, latindo, uivando,  miando , relinchando, mugindo...

                                      Olhava-se, e, somente firme lá fora estava Caculé, olhando de um lado para outro... até que, então surgiu a figura estranha montada na enorme porca, sendo que ambos tinham  os olhos vermelhos  como fogo, e via-se que era o Capeta  Chifrudo quem montava a porca,  passando em grande velocidade, soltando estridentes gritos, que atemorizavam  à todos que ouviam...foi um tal de  gritar , fechar portas e janelas rapidamente, em conjunto, que o barulho tornou-se  maior ainda...

                                       Aqui   entre  nós, naquele instante , todos procuravam pelo valente Caculé, pois não sei se foi a tétrica cena do Capeta e sua porca, ou se foi o barulho do pessoal  medroso  da fazenda, que  assustou o Caculé, fazendo com que ele  saísse em maior velocidade que o Capeta, deixando-o  para trás, e se embrenhasse cafezal adentro, vindo, em menos de uma hora, parar, em Getulina, ofegante e cheio de pavor, com os trajes em farrapos e muitas escoriações pelo corpo, onde, após lavar-se, fazer curativos,  e trocar de roupas,  contou para todos o presente caso, que se espalhou por ai...



                                                                            
                                                                           Milton   Hauy