domingo, 15 de abril de 2012

BASTIÃO CARA FEIA

Umas das coisas que mais marcou a  minha infante/juventude, foi conhecer as estórias e a história de nossa Getulina.

                            No início de nossa terra, tudo era mata,  e dentro dela moravam os donos dela, que eram os índios das tribos Caingangues, os primeiros habitantes destas paragens .


                            Tempo em que duas grandes Famílias : os Barbosas e os Queiroz, disputavam  a grande gleba.


                             Conheci anos depois, a figura lendária do Coronel Joaquim Barbosa de Morais, que na primitiva época,  dominava a grande disputa, grilando terras,  juntamente com seus capangas, e dentre eles, falo hoje, de um dos mais famosos comparsas do Coroné, o  temido “Bastião Cara Feia”, pessoa que também conheci, já provecto,  amparando-se  em uma  bengala, em cujo bojo escondia  um  grande punhal.

                           

                                 Era um homem de estatura mediana, moreno, magro, quase esquelético, andava ensebado, pela falta de higiene, tanto no corpo, como nas roupas e nos cabelos, que como  suas unhas,  eram compridos.
                            Contava-me  o “Cara Feia “ – após pagar-lhe alguns tragos (motivo pelo qual nasceu a nossa amizade) alí na Cantina 160, que ficava na Rua  Carlos de Campos, esquina com a Ataliba Leonel – algumas histórias do seu tempo de lutas e labutas em favor do Coroné.

                            Dizia-me, que  vira matar e matara muita gente, e ainda, antes de morrer, teria que matar mais uma pessoa (por mais que eu insistisse, não consegui descobrir quem seria essa pessoa), porisso, contou-me, mostrando o oculto punhal que trazia em sua bengala.

                            Matara, dizia, muitos homens metidos a valentões, vários moços, mulheres, moças e velhos, inclusive muitos índios, que surgiam em seu caminho, tomando-lhes as casas, as roupas, e as terras.

                            Muitas vezes, ateou fogo aos casebres e choças, destruindo tudo...

                            Narrava  tudo com uma naturalidade incrível, como se aquilo que contava, fossem  coisas normais... mas, confessou-me, certo dia, digo, numa certa tarde, que nunca se esquecera, e até se arrependera de ter feito, em uma das tomadas de terras, ao saquear uma das casas, depois de dominar, judiar e matar os seus moradores, no exato momento em que os executava, uma criancinha chorava no berço... recordava que, ao aproximar-se aquele anjinho  parou de chorar , e até lhe sorriu, mas, ele nem ligou para aquilo, pegou e jogou a criança para cima e a aparou no  seu enorme punhal, varando-a mortalmente; que, essa era a única empreitada que se arrependera de fazer, pois ainda hoje, à todo momento, parecia ainda escutar o choro daquela criança, que lhe atordoava os ouvidos ...

                            Arrepiava-me ao ouvir aquelas histórias, mas, a curiosidade aguçava mais, e eu insistia em seus pormenores...

                            A pigarra lhe interrompia, de quando em vez, as emocionantes e aterrorizadoras narrações.       

                            Morava em uma velha garagem, que ficava na Rua Ataliba Leonel, esquina com a Albuquerque  Lins, pertencente à mesma caridosa família, que lhe fornecia  gratuita  alimentação.


                            Nos últimos meses de vida, já não aguentava mais sair de casa, ou melhor, daquela velha  esteira que  lhe  servia de cama.

 Chegava a feder,( pois as pessoas caridosas e vizinhas, costumavam higienizá-lo, à cada quinze dias, um mês...) e, ele  estava cada dia mais feio, horroroso, suas unhas sujas e muito compridas, aqueles cabelos  longos e ensebados de sujeira, sua voz cavernosa e mente senil,  metiam medo , não só nos mais jovens, como também nos adultos.

Até que certa tarde, quando estava jogando futebol, uma pelada,  ali na rua próxima à sua morada, soubemos pelo Cridio   Zanco,( pessoa hoje saudosa, e uma das criaturas caridosas que na época  ajudavam o velho Tião Cara Feia) que ele havia morrido, pois chegara a urrar de dor pela madrugada e  vinha sofrendo muito, nos últimos dias...


Assim, findava a vida daquele capanga, que fora um maldoso jagunço,  tão temido, e que nos últimos tempos, parecia um verme a arrastar-se, e depois, ficara isolado na sua esteira, exalando odores repugnantes, amargando intimamente as maldades que fizera nos seus tempos de  matador.


Aqui entre nós, o Tião, ou Bastião  Cara Feia, segundo consta, não conseguiu cumprir com o prometido de matar mais uma pessoa, como falava em fazer.

Talvez essa pessoa fosse ele mesmo,  quem sabe ?!?

 Mas, para isso, nem mais possuía força para fazer, nem praticar seu  eventual suicídio.

Com certeza, está ele,  sofrendo  nos caldeirões  ferventes  de  Satanás (pois, nem  chances deve ter tido de arder no mármore quente do inferno) , pois fora a sua encarnação aqui em nossa terra, nos seus  primórdios tempos, e pode até ter retornado , sabe-se lá como, quando e onde  !?!

Essa nossa terra, tem muitas histórias, e estórias, para  serem ouvidas , contadas e repetidas ... basta ter tempo e muita  paciência, não acha ?



                                     Milton  Hauy

2 comentários:

  1. Não conhecia esta história.Aliás, conheço pouco das histórias de Getulina. Tenebrosa., arrepiante. Pobres homens que destruiram tanto para no fim não terem nada.

    ResponderExcluir
  2. Caríssima Lucilena de Freitas, Getulina tem histórias e estórias emocionantes e incontáveis...com o passar dos dias, iremos, transcever mais algumas
    ;e, mais uma vez, agradeço a sua preciosa atenção e belíssimo comentário; com profunda gratidão,receba o meu abraço

    ResponderExcluir