sábado, 17 de março de 2012

A MÃE DE DEUS E NOSSA

Vivia-se  o final da década de 1940, e  Getulina começava a dar os seus primeiros passos rumo ao progresso.

                            Um casal de comerciantes, em nossa população,  lutava para sobreviver e alimentar sua prole, cujo filho caçula  contraíra um mal , e os  médicos da localidade, apesar de suas aptidões,  competências e habilidades, não conseguiam curá-lo.

                            O menino  tinha, mais ou menos, seis anos de idade, era prodígio,  e  como toda a sua família, benquisto por todos, não só no mundo infantil, como adulto.

                            Sofria de dores terríveis , e seus  gemidos eram ouvidos à longa distancia...

                            Como naquele tempo não havia, em Getulina, nenhuma geladeira ( e as que existiam em outras localidades eram importadas, pois não se fabricavam, ainda, geladeiras no Brasil), o irmão mais velho do menino, toda tarde,  comprava e  trazia de Lins, em uma caixa,  em meio a  palha de arroz, bastante gelo, que era para , vagarosamente, fazer compressas sobre a barriga do garoto, a fim de minimizar suas dores.

                            A mãe do garoto, era ardorosa devota de Nossa Senhora  Aparecida, e colocara no criado mudo , ao lado da cama do menino, uma pequena imagem da Santa.

                            O menino , de vez em quando , orava com sua mãe, rogando à Nossa Senhora, para que ajudasse  a curar  sua doença, e costumava passar a imagem da Santa por sobre  a  sua barriga, onde internamente o mal lhe consumia, e este ato amenizava as suas dores...

                            Os  seus familiares e amigos estavam desesperados, pois cada dia que passava , as dores aumentavam, o menino emagrecia, e os quatro médicos que o assistiam, ficavam desanimados, pois,  os medicamentos mais modernos da época, estavam sendo empregados ... e nada de melhora !

                            Assim é que a mãe do garoto, fez uma promessa à Nossa Senhora Aparecida, implorando que a mesma intercedesse junto à Deus , a fim de cura-lo, e  se  isso acontecesse ,ela iria até a cidade da Aparecida do Norte, juntamente com ele, e lá acenderia uma vela do tamanho que o menino estivesse , além de se abster de uma porção de coisas, e enquanto vivesse faria caridade, auxiliando os menos favorecidos pela sorte.

                            Naquele tempo, não  era tão fácil, como agora, ir até  a Basílica  da Padroeira do Brasil, pois só para ir até São Paulo,  levava mais de um dia de viagem ...

                            Até que um dia, os médicos ,após ouvirem a opinião de muitos de seus colegas, tanto de Guaimbê, como de Lins, à quem o doente foi submetido à consultas, exames e observações,   desistiram, chamaram os pais  do menor e manifestaram  não haver mais meios na medicina em salvá-lo...

                            Mais desesperados ainda,  os pais do menino, resolveram que o levariam  para tratamento  na Capital, ocasião que os médicos disseram, que podiam  levá-lo, apenas para desencargo de consciência, pois cura não mais haveria...


                            O casal largou todos os seus negócios em nossa cidade, e tomando um avião , Bimotor da Real , no aeroporto de Lins, rumaram até São Paulo, levando o garoto, que foi,  contorcendo em dores...

                            Com muita fé na Santa, e na esperança de encontrar novos medicamentos na Capital Paulista, lá chegaram os três, indo  para o Hospital da Beneficência  Portuguesa, onde tiveram boa acolhida.

                            O novo médico era sobrinho do pai do menino, que após examiná-lo ,  receitou-lhe alguns medicamentos, que deveriam ser tomados  em  vários horários, com rigorosa pontualidade, mas, não haveria necessidade de ficar internado, mas, sim, permanecer por alguns dias ainda na Capital.

                            O que foi feito, indo, o casal de Getulina e seu filho, para a casa de parentes, que residiam em São Paulo.

                            A mãe do garoto não largava o terço, nem o menino a imagem da Santa.

                            Naquele terço, vários rosários foram rezados, invocando o auxílio da  sua grande Protetora.

                            “Daí- nos a benção... ó Mãe querida...
                            Nossa Senhora, Aparecida....

        
                           
                            Passados dois dias, já não mais se via o menino contorcer-se em dores, e , em  menos de uma semana,  foi ficando cada vez melhor, até notar-se , que a sua face , antes pálida , estava  com bonito e notório  rubor , e  o mesmo passara até engordar... 

                            Voltando  ao Hospital, o médico admirou-se com o breve restabelecimento do garoto , assim como todos os que o viram chegar... estava curado !

                            Milagre !

                            “ Nossa Senhora, me dê a mão...

                            Cuida do meu coração...

                            Da minha vida... do meu destino...

                            Do meu caminho...

                            Cuida  de  mim...”
        
                           
                            Já podiam retornar ao interior, foi o que fizeram, após, agradecerem à todos lá do Hospital, bem como, alguns amigos e parentes,  depois de  batizarem o menino, que teve como padrinhos, os seus tios, que o acolheram  em São Paulo.

                            Retornando à Getulina, a população  local, também, ficou espantada com a rápida melhora, de quem até  iria morrer precocemente...


                            Os médicos daqui,  não erraram no tratamento, nem os da Capital acertaram, eles nem acreditavam no que viam... todos enfim,  comentavam : - Verdadeiro  Milagre !

                            “Viva  a Mãe de Deus e Nossa...

                            Sem pecado concebida...

                            Viva a Virgem  Imaculada ...


                            A Senhora   Aparecida....”


                            Realmente ,as preces foram atendidas , e Nossa Senhora Aparecida intercedeu , diretamente, na cura do menino, que iria morrer aos seis anos de idade... Anos depois, a promessa foi cumprida, e lá, na Aparecida do Norte,  diante da Virgem Milagrosa , emocionados, choraram felizes,  tanto a mãe, como o filho, agradecidos...acenderam  uma vela no velho  Santuário , do tamanho do menino, que já era moço, e colocaram uma foto dele , na Sala dos Milagres(cheia de provas  de incontestes milagres da Santa) após, antes, terem andado pelas ruas próximas à Igreja, cheias de bares, bazares, lojas, e barracas, vendendo doces, salgados, bebidas, além de imagens, medalhas, correntes, fitas, quadros e gravuras da nossa Padroeira.

                            Sem ninguém  saber,  nem poder explicar, a pequenina imagem , que o menino tinha, em Getulina,   ao lado de sua cama, sobre o criado mudo, após sua cura,  misteriosamente, desapareceu....

                            Seus pais, e alguns familiares, já morreram, - ou melhor, foram primeiro para junto de Deus, estando  ao lado da Virgem, também velando por nós... -   mas, são muitas pessoas, além dele, muitos parentes e amigos,  que conhecem e vivenciaram   essa história triste,  árdua, feliz, emocionante  e  milagrosa !

                            É mais uma prova, dentre milhares de milagres que a Virgem, Imaculada Conceição Aparecida fez, e continua fazendo a cada dia que passa... cuja Imagem primeira( ainda existente na Basílica de Aparecida) foi resgatada das águas, em uma rede, em duas etapas, corpo e cabeça, por pescadores  no  Rio Paraíba, em uma tarde, que até então não haviam pescado nada, e depois, suas canoas ficaram abarrotadas de peixes...

                            E essa, é nossa  agradecida e singela homenagem à Mãe de Deus e  nossa...



                            Aqui entre nós, aquele menino doente , ficou completamente curado, cresceu, estudou, teve uma juventude mais sadia ainda,  formou-se, em uma porção de cursos, casou-se, tornou-se pai, e  já é avô, de dez  netos, já tem até uma bisneta; ele que  iria morrer com  seis , hoje já passou dos sessenta anos, continua fervoroso devoto de Nossa Senhora Aparecida, que nunca o desamparou, inclusive,  em outras horas difíceis que surgiram ao longo do tempo...e sempre, que ele a invoca, é atendido,  tanto  em seu auxílio, como  em socorro  de outras pessoas...

                            Você ,talvez, até o conheça... ele costuma escrever crônicas, é poeta,agora tem blogger na internet, e continua  aqui entre nós....


                                                                  Milton  Hauy 

segunda-feira, 5 de março de 2012

UMA NOITE DE HORROR

Faz muito tempo, e a  nossa turma  resolveu fazer,  de uma noite linda, romântica , estrelada, uma noite macabra , horrenda, terrível...

                            E falava-se até em premiar a fantasia mais bonita, a melhor, a mais original, ou seja,  a mais horrível, que metesse medo em todos...


                            Marcou-se, para a então próxima sexta-feira, 13, de um mês qualquer ( isso, é para não invocar algum aniversariante  do então mês, criando problemas...).

                            O lugar  escolhido, foi  o   cemitério, por volta da meia noite (vejam só, tanto lugar para se brincar, e a nossa juventude preferia , involuntariamente,  profanar  o campo santo , local que, sempre, mais progrediu, e progride,  em nossa terra).

                            Pularíamos o muro, ou entraríamos pela valeta, e nas proximidades do cruzeiro nos concentraríamos , para o grande e esperado encontro...

                            O regulamento previa que, também,  se poderia levar pequenas lanternas, lampiões, fósforos e  velas.


                            Assim foi feito.

                            Mas, não foi grande o número de concorrentes, que se esperava, pois houve muitas desistências  de última hora, da então programada  participação, alegando as mais esfarrapadas desculpas,  a fim de encobrirem o medaço dos cagões...

                            Apesar disso, teve  até uma inscrição, feita por telefone, de uma jovem de Lins,  Guaimbê, Cafelândia ou Promissão.


                            Os  pré aquecimentos  para o  tétrico desfile, foram feitos nos mais diversos bares de nossa cidade, pela grande maioria, que tratou de ingerir cervejas, chopps,  pingas, vodkas, wiskis, champagnes, conhaques  e vinhos.

                            A noite parecia ter sido desenhada para o  grande evento das muitas  travessuras e poucas gostosuras...

                            No entanto, não era de lua cheia, e sim, quarto minguante, estrelada, escura, nevoenta, apesar de fresca, cuja brisa fazia ventar ora de leve, outras vezes, fortemente, um vento vagabundo que, assobiando,  levava consigo folhas secas, papéis e plásticos , que esvoaçavam  como pipas pelos ares... inclusive, também,  sacudindo os galhos e folhas das árvores...

                            Via-se o desfilar de vultos estranhos, que se misturavam no ritual macabro ... enquanto no ar  vagavam os vagalumes e pirilampos, o pessoal carregava velas acesas , cujas  luzes  temporárias , assustavam as corujas, outras aves notívagas, e os morcegos, estes em seus vôos rasantes, quase tocando as nossas cabeças , fazendo com que o maior dos machões , ou a mais corajosa das mulheres, sentisse arrepios de cima em baixo, ocasionando o bambear das pernas, em rápidas e ocultas tremedeiras....

                            Os que iam chegando, iam colocando as suas velas ao lado do Cruzeiro, e de lá enviavam luzes , que misturadas à luminosidade dos faróis dos veículos que passavam lá fora, e, momentaneamente , iluminavam lá dentro, nos mostrando  o desfile macabro das pessoas com máscaras e fantasias, de vampiros, caveiras, lobisomens, fantasmas, sacís, bruxas, zumbís e duendes.

                             Paralelamente, a tudo isso,  acontecia também, no mesmo local , um desfile mais rápido de lagartos,  largatixas ,  ratos, calangos, baratas, formigas e aranhas, sob o som  musical dos grilos ,  e o  tristonho coaxar das rãs e dos sapos...

                            Ouvia-se adiante, os miados soturnos dos gatos pretos, e, depois, o uivar dos cães , parecendo lobos, completando o característico cenário dos filmes de terror...
        

                            Ao nosso lado, caminhava alguém com uma notória , fantástica e chocante fantasia , composta de uma máscara horrenda, era de bruxa, e , desde logo, já se imaginava ser ela a  forte concorrente ao prêmio daquela importante noitada... não havia nada mais feio, simplesmente, horripilante !

                            Continuava a lenta caminhada, cada um observando o outro, cada passo, cada gesto, quase não se falava, apenas de quando em vez, um cochicho, um murmúrio , e vagas e pequenas risadas...

                            Olhava-se, desde a cabeça até os pés... do chapéu ou capuz, da máscara, até as botas ou botinas... as vestes reluzentes, as capas e mantos esvoaçantes, as luvas, tanto as de borrachas, plásticas  ou de cetins, eram   de um modo, quase que geral,  pretas, mas, haviam também as brancas que contrastavam com a maioria das vestes  negras....


                            Espalhadas pelo vasto cemitério, haviam sido colocadas as enormes caveiras, feitas de abóboras, mamões , e até de melancias ôcas, em cujo interior, foram colocadas velas acesas, que  destacavam os furos, simbolizando os olhos, as bocas e narizes, fazendo do ambiente  lúgubre, mais funéreo ainda, próprio para aquela ocasião .


                            Muitos traziam caixas de isopor, contendo gelo, ou garrafas de água gelada, que era para que se enfiasse as mãos ou as luvas, para depois tocarem as pessoas circunstantes, mostrando o gélido sentido da morte, ou dos mortos.

                            Era mesmo de arrepiar todos os cabelos !.  Tanto os da cabeça, como os dos “cutuvelos”...




                            Ao longe, ouvíamos o ressoar do sino da matriz, enviando aos ares,  as doze badaladas, que anunciavam ser meia noite, horário triunfal do início do desfile de horrores....

                            Quando  passávamos  pelas avenidas e quadras da necrópole, olhando  de um lado para outro, às vezes até para  trás, líamos nas lápides os diversos nomes dos ocupantes  das variadas sepulturas, jazigos, túmulos e covas, de cada pessoa conhecida, familiar, amiga, ou desconhecida, que haviam há muito tempo, ou até recentemente, partido para o outro lado da vida , e de cada uma , nos vinha uma série de vagas e  profundas, alegres e tristes,  recordações ...


                            No desfile , cada pessoa ou  participante,  empunhava, senão um cajado, uma vara, algumas  enormes, outras pequenas vassouras, espadas, lanças,  foices, facões ,  punhais, chicotes, laços, bengalas,etc...


                           Até que então, chegou o momento tão esperado da proclamação da fantasia vencedora, cuja personagem, deveria se revelar, tirando a máscara, para receber os aplausos e o prêmio ... já  se adentrava   a  noite , avizinhando-se a madrugada...


                            Ganhara a fantasia  cintilante da Bruxa, que ostentava uma máscara horrenda , empunhando em uma das mãos uma foice, noutra  enorme vassoura, a mulher que viera de fora, talvez, de Lins, Guaimbê,  Cafelândia ou Promissão  ...e fizera a  sua inscrição, no concurso,  pelo telefone, vencera a competição...


                            Naquele instante , os demais participantes passaram a retirar as suas máscaras , e  solicitavam à vencedora que fizesse o mesmo, a fim de se revelar, dando o seu nome, mostrando o seu rosto, e  ressaltando  seu endereço, para conhecimento de todos...

                            A Bruxa vencedora, se negava em retirar sua máscara, mas insistia em levar o seu prêmio...

                            Aqui  entre  nós, após variados falatórios e discussões, a Campeã da noite , pediu a palavra,  e disse em alto brado e bom som : -  Eu não estou mascarada... eu sou assim mesma...

                            Em seguida, soltando estridente e sarcástica gargalhada  subiu sobre sua vassoura e alçou vôo, passando sobre os jazigos, túmulos , covas, e  todos nós ,  voou longe, perdendo-se na escuridão...

                            Todos ficaram  pasmos e assustados, desde os mais machões até os mais medrosos dos participantes, que  tremendo como varas verdes, olharam para todos os lados...e  saíram   em debandada carreira, largando tudo para trás,  e levando tudo no peito, pulando o alto muro do cemitério, rumando  cada um para sua casa, a fim de livrar-se , o quanto antes  da fedentina, originária das fezes que escorriam  pelas   pernas abaixo , e, procurando, para limparem-se,   tomar aquele banho, regado às mais variadas e perfumadas essências...




                                                                  Milton  Hauy