Acho que já cansei de contar para vocês , mas devo repetir, que Getulina foi, noutros tempos, uma cidade muito movimentada.
A sua população era enorme, e a zona urbana possuía um vai e vem de gente contínuo e estrondoso, pois a zona rural, com seus extensos cafezais, era bem mais populosa que a urbana, pois aquela necessitava de constante mãos de obra.
E em nosso comércio, dentre muitas outras eficientes pessoas, trabalhava o sempre prestativo Faísca , moço loiro, de baixa estatura, não era bonito, mas nem feio, bem educado, que nascera na Baixada Fluminenese, mas adotara nossa cidade como sua terra.
Viera trabalhar com seus tios, que eram ativos comerciantes, e por aqui ficara.
Ele trabalhava, no balcão do armazém de secos e molhados, de segunda até sábado com afinco, até as l8,00 horas, fazendo após o expediente normal, a entrega de mercadorias à vasta freguesia do estabelecimento, não só na cidade, como nas vilas e, principalmente, nas fazendas e sítios da redondeza.
Nos finais de semana, após o retorno de sua labuta, Faísca costumava, depois do banho, jantar, e troca de roupas, frequentar os bares e bailes dos arredores, e, juntamente com sua turma de amigos, encher a cara de pinga e cervejas.
Mas, na segunda feira, logo pela manhã, refeito, enfrentava o batente comercial, seguindo a mesma e constante rotina.
Mas, apesar dos pesares, ele era um moço econômico, que conseguia guardar muito dinheiro.
Um certo dia, foi notório, Faísca diminuíra na ingestão das doses das bebidas que continham álcool etílico, e descobriu-se que estava de namoro com a Florisbela, uma mocinha que morava lá no alto da Vila.
Não demorou muito, para que fosse marcado o casamento dos dois, vez que ele ajudou no término do enxoval da noiva, comprando inúmeras peças .
Foi marcado para o penúltimo sábado do mês, em razão de no último ser dia de pagamento e muito movimento no comércio, de modo especial no do seu tio.
A turma ficou contente, apesar de perderem um dos integrantes, que passaria ao rol dos homens sérios.
A semana que antecedia o dia do casório foi revestida de muita correria, até um terno novo o Faísca comprou, para juntar aos demais que já possuía.
Na antevéspera do casamento caiu um temporal feio em nossa cidade, e o apelido do nosso personagem começou de outra forma espalhar-se pelo céu, era só faíscas que saiam, seguidas de estrondosos trovões, que faziam medo aos mais valentes dos machos.
Quando se preparava a despedida de solteiro do Faísca, com enorme tristeza, chegou a infausta notícia, de que Florisbela havia sido atingida por um raio, vindo a falecer instantaneamente.
Todos ficaram desesperados e, o Faísca, nem se fala, chorava copiosamente, e juntamente com ele, todos nós.
Os dias que se seguiram , depois do emocionante enterro da noiva, foram horríveis.
Faísca tornara a beber, e de maneira mais desenfreada, como se a pinga pudesse fazer esquecer os momentos dolorosos pelo qual passara.
E assim foi durante um ano, dois... até que em um baile, que a turma conseguira levar o Faísca quase que na marra, volta ele amarrar-se em uma outra moça, Assanhacersa, que viera há pouco tempo de Minas, e estava ajudando seus pais, no cafezal do Vinte de Maio.
O semblante do Faísca mudara, novamente diminui ele na sua bebida , e parte de corpo e alma para o novo amor...
Meses depois, ouve-se falar que, os dois já noivinhos, iriam “juntar seus trapos” no mês seguinte, em cerimônia simples, pois o Faísca comprara todo o enxoval para ela, bem como havia alugado e montado uma bela casa na cidade, onde iriam morar, e ela cuidar, pois ele continuaria trabalhando no armazém.
A Turma do Barril, não podia deixar por menos, teria que fazer a despedida de solteiro do Faísca, com distinção e harmonia, o que foi feito, uma semana antes do matrimônio.
Quase mataram o Faísca , de tanta brincadeira e bebedeira !
Até que chegou o dia do casamento, e apesar de poucos convidados, a sua Turma tava lá à postos, aguardando o momento tão importante.
Eis que chega em um táxi o Faísca, acompanhado de seus padrinhos, estava ele de terno branco, novinho, camisa da mesma cor, com gravata borboleta e sapatos pretos, esboçando sorrisos aos circunstantes.
E a Igreja Matriz começou a encher de gente, pois a cerimônia matrimonial seria durante a missa, assim é que muitos devotos, não sendo convidados para a celebração daquela união conjugal, comparecia para o costumeiro e sagrado rito religioso.
Mais tarde, quase no horário de início da missa, o Faísca já estava impaciente, eis que chega o carro que havia ido buscar a noiva lá na Fazenda, trazendo os seus padrinhos... mas, sem a noiva, pois esta, segundo os comentários posteriores, havia fugido com o leiteiro , levando com ela todo o enxoval que o Faísca havia comprado ...
Seguiram-se falatórios, alaridos, choros e confusões, o pessoal da Turma, saiu pela porta da sacristia amparando o Faísca desolado, enquanto o Padre, com muito custo conseguiu iniciar a Santa Missa.
Com muita ajuda dos parentes e amigos, meses depois o Faísca já estava saindo para frequentar alguns “Bate-Sacos” na periferia, ficava mais tempo bebendo , cabisbaixo em algum canto do salão, e vários colegas procuravam distraí-lo contando anedotas , causos , acontecimentos e resultados de partidas de futebol...
Três anos depois de procurar bagunçar o coreto, frequentar, constantemente, a zona do baixo meretrício, e outras coisitas mais, do rol de solteiros, novamente, Faísca consegue arrumar uma nova namorada,” Vidinha”, apelido da mocinha pacata Maria Rosa, filha de um funcionário aposentado da CMTC, que chegara da capital e estava morando em nossa cidade.
A moça conseguiu trazer nova vida ao Faísca, já se notava brilho em seus olhos azuis , e sorriso franco em seus lábios...
Sua disposição e conduta era outra, voltou a trajar-se com roupas e calçados novos, de maneira elegante, sorria, cumprimentava à todos, dosando seus tragos, era um novo homem que voltara a encarnar naquele corpo então triste e desanimado , deixando até de ser o criticado ébrio contumaz.
O novo par, passou a ser admirado, era visto, e convidado à diversas festas, ou indo ao cinema, circos , campos de futebol, e até em destaque no carnaval de rua e de salão.
Faísca e sua namorada, pareciam ter, e distribuir muita alegria, por onde estavam e passavam....
Uma coisa era relutante, falar em casamento, pois Faísca tinha aversão , em razão aos anteriores acontecimentos, que marcaram sua vida...
E mesmo assim, os amigos, os parentes, e a própria namorada, queriam fazer ele esquecer o lado obscuro que tanto o atormentara no passado, mas, parecia ser difícil....
Passaram a ir à igreja, assistirem semanalmente a missa, comparecerem à outras cerimônias , inclusive de batizados, crismas e casamentos de pessoas conhecidas ou não , a fim de tirarem o complexo que o pobre homem carregava , como um pesado martírio.
Até que em uma noite estrelada, o dileto par, sentado em um banco, sob o caramanchão que havia em nossa praça central , aos beijos e abraços, resolveu falar em unir suas vidas, unindo-se em matrimônio...
Ao saberem do acontecimento, a alegria foi geral, estava marcada a cerimônia civil e religiosa , que iria regularizar a situação daquele simpático casal, que já era tão querido de nossa comunidade.
No próximo mês de maio, todos nós estávamos convidados a comparecermos , no dia l5, tanto ao cartório civil, como na igreja , a fim de testemunharmos a união conjugal de Vitinha e Faísca, seria por volta das l6,00 horas no Cartório, e depois às l8,30 horas na Matriz, e após tais atos, a festa com churrasco, enorme bolo, bebidas diversas e doces, no Clube Nipônico, alugado especialmente para esta finalidade, com uma boa equipe de churrasqueiros, garçons e garçonetes, devidamente treinada para servirem bem os inúmeros convidados.
O noivo havia comprado e já presenteado a noiva com um lindo anel de brilhantes , uma casa , que já estava mobiliada, um par de alianças de ouro, e também colaborado muito em completar o seu enxoval , inclusive pagando totalmente a festa e o vestido de casamento .
Faísca havia contratado um táxi moderno de fora, e gratificado muito bem, antecipadamente, o motorista, a fim de que vigiasse a noiva, trazendo a mesma às cerimônias , tanto na do cartório, como na da igreja .
Por volta das l5,45 horas, já encostava o táxi trazendo a noiva, com luxuoso vestido e o bonito anel , para a cerimônia no cartório civil, o que foi feito.
Os nubentes, bastante sorridentes, estavam felizes, assim como seus amigos e demais parentes, presentes à aquele bonito acontecimento.
Após a dita cerimônia, a noiva, e seus pais, voltaram, no referido táxi, para a sua casa, acenando ao noivo que ficara com os demais convidados, aguardando o ato religioso, e conferindo os últimos preparativos para festa no Clube Nipônico.
Na casa dos tios do noivo, não paravam de chegar presentes e mais presentes, uma vez que quase toda a cidade estava convidada para o casamento do ano.
Os segundos, os minutos, e as horas foram passando, até que os ponteiros chegaram perto do horário do casamento religioso, e todos nós fomos para a igreja matriz, aguardar o cerimonial tanto esperado !
A praça estava cheia de gente e de veículos, e a Matriz, toda enfeitada e decorada com flores, rendas, tecidos e luzes, de modo especial para a referida finalidade, foi se enchendo também, cada um procurando um lugar nos bancos da igreja, para presenciarem o grande acontecimento .
Não demorou muito, ladeado pelos seus padrinhos, o noivo com bonito terno azul marinho, camisa branca, gravata vermelha e sapatos pretos luzentes, adentrava todo feliz, acenando aos que lhe cumprimentavam à distancia, indo para perto do altar, à espera de sua noiva , para, enfim, sacramentarem , sob a presença do Pároco e de todos os presenciais, aquela invejável união.
Cada segundo de espera, era um grande martírio do noivo, e da Turma, que se encontrava completa ali de lado, em expectativa .
Já havia um atraso de dez minutos, mas, isso é comum , pois as mulheres costumam demorar para se arrumarem .
Meia hora, já estava sendo um tormento !
Aqui entre nós, saí de fininho, quando ouvi os rumores de que a Vidinha havia fugido com o motorista do táxi, e não tive coragem de olhar prá trás, não vendo o Faísca desmaiar lá perto do altar, , e saber depois, também, de que tudo era verdade, sem se falar no imenso desespero de seus parentes e amigos.
Triste sina a do Faísca, heim ?
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Linda e triste a história do Faisca.Td.isso é verdade?ou criação de nosso poeta Getulinense.?
ResponderExcluirUma das verdades Getulina,era muito movimentada.Nos finais de semana vinhamos do sitio d.papai(Santa América)fazer compras na cidade.Era uma festa!!Que delícia Dr.Milton,entrar no seu blog,e ler coisas tão bonitas.Dá uma tremenda saudade.!!!
Parabéns,e obrigada,por falar de coisas tão simples mas de grande sentimento.
Até a proxima.
Abraço,
Cleusa Bedore
Minha prezada amiga Cleusa Bedore, estou bastante grato à sua preciosa atenção, de ter comungado também as minhas emoções, em rememorar a nossa doce infante-juventude; em tudo há muita verdade e adaptações de outros casos acontecidos aqui, e reunidos num só...retribuo com carinho o seu abraço,agradecendo,mais uma vez, os elogios,que compartilho com vc , envolvidos em saudade e enormes recordações;até a próxima !
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