terça-feira, 31 de julho de 2012

MISTER NIGER


Relembro com saudade aqueles dias que antecediam  o aniversário da Escola Coronel Alfredo Marcondes Cabral de Getulina.

                    Vendo as crianças hoje desfilarem pelas ruas de nossa cidade,  divulgando o “Programa  Escola da Família”, me deu vontade de recontar  - com uma saudade imensa , uma das maiores apresentações , criadas por alunos, e por verdadeiros Amigos da Escola - na história de nossa terra e região.

                    Aconteceu no final da década de 60, juntamente com os amigos Oldenir (Bill) Toledo Nocchi e Pacini  Cirino da Costa, idealizamos promover uma atração diferente naquele ano, proporcionando expectativas em torno das comuns festividades que  a cada ano se realizava.

                    Contamos, também, dentre outras, com a colaboração do colega e amigo Linconl Chinchila Martins, que além de ex-aluno do estabelecimento  festivo, agora estava gerenciando a filial local das Lojas  Riachuelo, que nos deu a publicidade e ainda ofertou um lindo brinde para quem adivinhasse a nacionalidade do “Mister  Niger” – denominação que demos ao artista principal daquele evento memorável – e que quase todos pensavam ser estrangeiro. 

                    Com isso a juventude estudantil de Getulina tornou-se mais vibrante ainda, crescia a grande ansiedade em torno do espetáculo, que no início parecia simples, e que começou a avolumar-se à cada dia , vindo culminar com a chegada de um telegrama – tivemos a ajuda do hoje saudoso Lupércio Becegato,( então Agente do Correio local) e, do nosso irmão Toninho Mengato, que aí se encontra , para juntamente conosco recordar aquela grande manhã, cujo espetáculo foi realizado no Cine  Paroquial  São Luiz (Cinema do Padre) , e que nos fora, naquela ocasião, gentilmente cedido pelo ora pranteado Padre Lupércio Pereira Simões, o Pároco de então, - que dizia : “Chegarei no dia marcado vg pela manhã pt. Abraços pt. Mister  Niger.”

                    Cumpre esclarecer antes, que soubera que um estudante de engenharia possuía uma fantasia premiada em Lins, e que o mesmo morava lá em uma Pensão; tratei logo de procurá-lo ,e ele me emprestou a rica fantasia de um diabo, com rabo e máscara de borracha, além de uma bela capa de cetim em preto e vermelho, enfim uma maravilhosa peça, que de antemão sabia que agradaria em cheio !

                    Mas, como antes, já havíamos brincado com várias pessoas em nossa praça , hipnotizando algumas delas, pairava qualquer coisa no ar, ou melhor, na mente delas, que eu poderia ser o tão esperado artista.

                    Tratamos logo de desfazer essas  idéias, para não quebrar o encanto preparado da surpresa.

                    Havia a necessidade de um aparelho de som, a fim de tocar a música  que usávamos para hipnotizar , e foi o Pixoxó quem nos emprestou uma Sonata – novinha, ainda na caixa, sem uso – para completar o brilho do espetáculo.

                     Certa noite, quando retornava de Lins, por volta das onze horas, o Bil e o Pacine me aguardavam nas proximidades do Fórum , para que fossemos ensaiar e preparar o Salão , para o tão  aguardado Show, que seria na manhã seguinte.

                    Rumamos direto ao Cinema do Padre, vez que ele já nos tinha emprestado as chaves do prédio, e fomos instalar o som, no  majestoso palco que lá havia ( como todo mundo sabe, atualmente o referido cinema não mais existe, dando lugar ao Supermercado Caliani, e o dito palco ficava ali onde hoje está a parte de frios do mencionado estabelecimento comercial).

                    Não cuidamos  de verificar a voltagem do salão com a do aparelho, e eis que quando o Pacini ligou a Sonata na tomada da parede , foi  bruscamente arremessado  com caixa e tudo, acompanhado  de um estrondo, fazendo soltar faíscas  e a pegar fogo no aparelho, que por sorte, logo apagamos, pois havia água nas proximidades. Quase que o fogaréu se propaga até as cortinas, e aí seria o caos... iríamos acabar bem antes com o cinema do Padre, e de forma mais triste...

                    Juntamente com o Pacini e o Bil, caimos nós desesperados...como fazer (?!?) , parece que havíamos estragado a sonata novinha do Pixoxó... e, além de ficarmos sem som, teríamos que pagá-la... sem ter dinheiro...

                    Já se passava da meia noite, quando uma feliz idéia nos alentou... – Vamos até a  “Casa do Rádio” , do senhor Américo Katsumi Aoki que era técnico, entendido no ramo, para ver se ele daria um jeito na coisa – ele era  pai e tio de colegas nossos : Renê, Tustiã, Sábaro , Minoru e outros pertencentes à ilustre Família – a então loja  ficava ali, onde hoje temos o Foto e Vidraçaria do Mirão , na Rua Vergueiro de Lorena.


                    Apesar de notarmos que todos dormiam, acordamos o sr. Américo, que sempre fora prestativo, nos atendendo com aquele inconfundível sorriso oriental, convidando-nos a entrar, e passou a vistoriar o aparelho do Pixoxó, com os seus especiais aparelhos.

                    Para sorte nossa, o estrago, apesar do fogaréu, não havia sido muito, apenas queimara uma pequena peça, pois a voltagem do salão era de 220 e a do aparelho 110 volts., motivo do curto circuito, que nos assustara.

                    Em suma, não tinha no momento a peça certa para substituir a danificada, mas, colocou para tentar sanar temporária e precisamente  uma usada, a fim de pudéssemos usar a Sonata no Show, comprometendo-se a pedir uma peça original, para ser  colocada depois, o que foi feito.

                    Com isso, fomos dormir e prepararmos para o que viria nas próximas horas daquele dia ...

                    Perto do horário de início do Show, de manhã, vimos que nas proximidades do Cinema do Padre, que  a sua frente,   já estava apinhada de estudantes, de ambos os sexos e de todas as idades, num alarido alegre e contagiante, como são  quase todos alegres os alaridos estudantís.

                    Pela cidade, naquela ocasião, também estava sendo realizada uma promoção  com vendas de títulos patrimoniais, que ajudariam na construção da primeira piscina da SAG – entregues pela Diretoria à uma Firma de fora especializada  no gênero , cuja turma  de vendedores se espalhava  por nossa urbe; oportunidade, que pedi à um deles, quando estava abastecendo seu veículo no “Posto Macedo”(onde hoje está o Banespa), para que desse a volta, pois o carro estava com a placa de São Paulo, e não era conhecido pelo nosso pessoal, principalmente o estudantil – e levasse a minha maleta até o cinema, que estaria esperar em frente, pedindo para que ele descesse do carro, acenasse para os alunos, e falasse algumas palavras em castelhano, para iludí-los, contando-lhe sobre o eventual espetáculo que iria se realizar, e ele topou  na hora, sem nada me cobrar pelo trabalho; pedi para que entrasse pela porta da frente, e depois saísse pelos fundos, passando pela Casa paroquial, o que realizou, de forma perfeita.

                    Os estudantes adentraram o local, em seguida, acomodando-se nas poltronas do cinema, cujo palco estava com a sua enorme cortina vermelha, fechada.

                    No início, apresentamos alguns números musicais, e rápidas cenas humorísticas (esquetes) , tendo como protagonistas alguns estudantes da própria escola, que nós havíamos ensaiado antes, para tais atos.

                    Depois... o momento esperado e culminante – contamos também com o auxílio dos então funcionários, hoje tão saudosos, Cridio  Zanco e Lidia da Silva Laraya – enquanto o Cridio , embaixo do palco providenciava uma lata com pólvora, para que logo após o estrondo da bomba que seria acionada,  o Mister Niger aparecesse no meio da fumaça, de  maneira triunfante ( o que  aconteceu, e ficamos sabendo posteriormente, que o Cridião se queimara ao acender o fósforo e por na lata de pólvora, chamuscando-lhe as mãos e o rosto... – como sofrem os artistas e seus auxiliares,nos bastidores,heim ?  Muitas vezes sem ninguém saber....

                    Ao vislumbrarem  no palco aquele diabo, a molecada se assustou, e alguns da platéia, até correram para fora do cinema... com pavor  do que viam...


                    Mister Niger começou hipnotizando pessoas da platéia, que subiam ao palco e sentavam em  várias cadeiras ,ficavam ouvindo a música , tocada pela sonata do Pixoxó, que de som meio fanhoso, lançava no ar  : É tão sublime o amor”, apenas orquestrada.

                    Mas, como  a apresentação já estava combinada com o Bil, o artista tratou logo de dispensar a moçada , deixando os conformes e passando para os finalmentes...


                    O Bil, havia há poucos dias, antes da tal apresentação, passado por uma delicada cirurgia em um dos ouvidos, estando em convalescência, e mesmo assim, compareceu ao espetáculo fingindo ser mero espectador , que fora chamado ao palco, a fim de ser  hipnotizado.


                    Não demorou muito, depois das preliminares introduzidas pelo Mister Niger, para que o Bil  adormecesse....momento em que fora solicitado à platéia um de seus representantes , para a verificação se  ele estava ou não dormindo.

                    Sobe uma das mocinhas, não me lembro quem... (mas sei que o Bil dela jamais esqueceu...) e começa  em dar-lhe uns beliscões, inicialmente nos braços, estes eram fortes - pois o Bil praticava box e vários outros exercícios- depois,  como por azar, ela foi diretamente beliscar uma de suas  orelhas, coincidentemente a que houvera sido operada – gente ! foi um verdadeiro chute no ... braço...digo, apesar de ser com os dedos de uma das suas mãos, um pé na orelha ! –  hoje,  até no falar, ou contar, sinto as dores que sentiu o Bil  naquele momento!... – e ele aguentou firme, sem gemer, mas, via-se cair de seus olhos um montão de lágrimas...

                    Tratei logo de tirar a malvada de cena, e depois apresentamos o que se estava previamente ensaiado, tanto na parte de hipnose, como de telepatia... foi um  enorme sucesso !


                    Aqui  entre  nós,  se tivéssemos continuado com as apresentações (embora mais uma vez, posteriormente,  com igual êxito, a fizemos no Clube Linense      , o que é história para uma outra vez...) por esse Brasil afora, acho que estaríamos  ricos e famosos, tanto é que o tal de Mister “M”, que a TV apresentou, e apresenta  de quando em vez, não dá nem para engraxar a bicanca do Mister Niger !

                    Não posso esquecer de mencionar algumas  outras coisas muito importantes e marcantes : a primeira, que ao ir devolver e agradecer o empréstimo da fantasia do diabo ao estudante de engenharia em Lins, soube que ele havia fugido de lá, por não ter dinheiro para pagar os débitos que contraíra na praça, pois até a dona da pensão ele não pode pagar... enfim, não devolvi a tal fantasia, e considerei o Mister Niger uma singela homenagem ao tal estudante, que talvez, nem chegou a ser engenheiro, e cujo nome nem fiquei sabendo, mas, lhes somos eternamente gratos, esteja onde estiver !

                    A segunda, é que depois. O seu Aoki consertou a Sonata, e ela ficou perfeita ! Devolvemos ao seu dono, com os mais profundos agradecimentos; e o nosso prezado amigo Pedro, o Pixoxó, muitos anos depois morreu,( Deus o tenha !)  sem saber o que tinha acontecido com  o seu aparelho de som , na noite que antecedeu a inesquecível apresentação artística acima narrada.

                    O que restou de bom, além de outras  nossas fantasias, é que, de vez em quando, encontramos  um dos alunos daquela dourada época , e ele nos diz : - “Jamais me esqueci do Mister  Niger ! ou,

                    Aquela apresentação marcou bastante  a nossa juventude, valeu !...”


                                        Milton  Hauy